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minhas notas

04.10.13

A Fundação Francisco Manuel dos Santos, conduzida por uma das figuras e das vozes mais sapientes e sensatas de Portugal, António Barreto, promoveu uma série de debates sobre a Europa, nos dias 13 e 14 de Setembro, no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa. Sob a moderação de Maria Flor Pedroso, um dos debates abordou o tema «A Europa precisa de Deus?», sendo convidados João Pereira Coutinho, Joana Amaral Dias e Manuel Braga da Cruz, antigo reitor da Universidade Católica Portuguesa. As duas vozes masculinas alinharam na mesma direção, embora com argumentações ligeiramente diferentes: a Europa precisa de Deus. O cristianismo está na alma da Europa e não se pode compreender a Europa sem o Cristianismo. As raízes cristãs europeias são inquestionáveis e ajudam a compreender a sua matriz humana, cultural, social e espiritual. Joana Amaral Dias, psicóloga clínica, esquerdista e ateia assumida, manifestou opinião contrária: a Europa não precisa de Deus, mas «precisa de coisas bem mais importantes, como arroz e dinheiro». Lembrou que a Europa é o continente menos cristão atualmente e que os europeus consideram os valores da justiça, da democracia, da igualdade, dos direitos humanos ou da paz mais importantes do que a religião.

 

Joana Amaral Dias tem razão numa coisa: a Europa já é o continente com menos cristãos. São muitos os fatores que explicam esta evolução e um dos principais é a invernia demográfica da Europa. O cristianismo está a crescer na Ásia, na América Latina e na África, precisamente as zonas mais populosas do planeta. Mas a força de uma religião não está no número dos seus sequazes, mas na qualidade da sua presença no mundo. Grande parte dos europeus ainda têm uma grande identificação com o património moral e espiritual da fé cristã. E quanto aos valores que os europeus privilegiam, convém não esquecer o grande contributo do cristianismo na sua formulação e na sua vivência. Alguns têm inspiração bíblica e outros têm a sua génese na reflexão cristã. A Europa tem uma clara matriz cristã. Nenhuma instituição, partido ou ideologia, e até mesmo intelectual liberal, deveriam desprezar ou olvidar esta verdade fundamental, como já aconteceu. Quem nega ou arranca as suas raízes fica perdido e sem norte, fica sem identidade, e cai nas mãos do vento, que não deixará de nos arrastar para onde bem lhe interessa. O futuro da Europa passa pelo reencontro e pelo despertar das suas raízes cristãs, passa por dar a Deus e à sua revelação o papel principal na sua configuração humana, social, cultural, jurídica e espiritual. Com isto eu não quero dizer que as pessoas têm de ser cristãs à força, quero dizer que devemos muito ao cristianismo e que não nos podemos compreender e projetar para o futuro, enquanto europeus, sem ele. Deu um cariz próprio à Europa, deu forma à Europa.

 

Interessante é o conceito redutor que Joana Amaral Dias tem da pessoa humana, apenas feita de necessidades materiais. O homem precisa de arroz e dinheiro. Que visão tão pobre da humanidade! O homem precisa de arroz ou pão e dinheiro, mas precisa de muito mais. É este o problema do pensamento tacanho de uma certa esquerda: interpreta a vida de forma materialista e vira as costas à verdade total e mais profunda da vida e do ser humano. Lá no fundo, não passa de comunismo refinado, que entende que a existência humana tem «por missão única a produção de riqueza por meio do trabalho coletivo, e único fim o gozo dos bens da terra num paraíso ameníssimo de delícias onde cada qual «produziria conforme as suas forças e receberia conforme as suas necessidades», como diz a Encíclica do Papa Pio XI, «Divinis Redemptoris», necessidades materiais, acrescento eu, porque o comunismo só aceitava a matéria. Esta visão da vida foi encarada pela Igreja como «um sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa humana». Ser homem não seria mais do quer ser uma máquina de trabalho, para atingir e se refastelar no bem-estar material. O homem tem a sua dimensão material, mas também tem consciência, tem inteligência, tem vida interior e espiritual, tem coração, tem vontade de sonhar e  de fantasiar, tem uma sede de plenitude, de infinito, de eternidade, de verdade, que nenhum bem efémero do mundo consegue satisfazer.

 

Um argumento para se marginalizar a fé ou a religião, que agora está muito na moda e que ali também foi retocado, é que as religiões são fonte de cegueira, de fundamentalismo, de divisão, de guerras e de violência. O mundo seria bem melhor e haveria mais paz sem as religiões. É verdade que as religiões, infelizmente, porque são mal interpretadas e porque são instrumentalizadas para vários fins, têm agudizado alguns conflitos e contendas em algumas partes do mundo. Mas as religiões não têm culpa. Nenhuma consegue controlar todos os seus seguidores. Todas, e falo sobretudo do cristianismo, têm uma mensagem de paz e de humanização e procuram promover a tolerância e o diálogo entre todos os homens. Não são violentas e não são geradoras de fanatismo. Têm é fanáticos, que se servem delas para satisfazer outros interesses. Mas ainda assim, como muito bem lembrou João Pereira Coutinho, os ateus de esquerda e de direita do século XX mataram mais pessoas do que todas as religiões juntas. As religiões não são o problema, mas o homem, corrompido com o pecado e com as suas convicções tenebrosas e diabólicas, que existe fora e dentro delas.

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