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minhas notas

09.02.17

A Igreja Católica passou a ter mais uma santa oficial: Santa Teresa de Calcutá. Mais uma intercessora e um exemplo do Evangelho que é apresentado à devoção do povo de Deus. Costuma-se dizer que as palavras convencem, mas os testemunhos arrastam. Tem muito mais força um bom exemplo de vida do que rebuscada e espaventosa oratória, que se fica muito pelas boas intenções. Mesmo o nosso povo gosta de dizer que é preciso dar os bons conselhos. Sem dúvida, mas quem os dá que os testemunhe com a sua vida. Coloquemos os olhos e o coração no testemunho de S. Teresa de Calcutá. Também disse muitas coisas interessantes, mas fala sobretudo pela sua prática e pela sua vida.
De etnia albanesa, nasceu na Macedónia, numa família católica. Depois de uma breve passagem pela Irlanda, mudou-se para a India. Por lá ficou o resto da sua vida, sendo primeiro professora, passando depois a viver nas zonas mais pobres da cidade de Calcutá, tocada por um apelo veemente de Deus a cuidar daqueles que não importavam nem interessavam a ninguém: os miseráveis, os abandonados, os doentes e deserdados. Construiu hospitais, casas de repouso, cozinhas, escolas, colónias de leprosos e orfanatos para todos estes necessitados. Morreu no dia 5 de setembro de 1997, com 87 anos. É considerada a grande missionária do século XX. Foi beatificada em 19 de outubro de 2003, porque, nas palavras do Papa João Paulo II, foi um «Ícone do Bom Samaritano, ela ia a toda a parte para servir Cristo nos mais pobres entre os pobres». Em pleno pontificado do Papa Francisco, recebeu a canonização no dia 4 de setembro de 2016. O Papa destacou que «Madre Teresa, ao longo de toda a sua existência, foi uma dispensadora generosa da misericórdia divina, fazendo-se disponível a todos, através do acolhimento e da defesa da vida humana, dos nascituros e daqueles abandonados e descartados. Comprometeu-se na defesa da vida, proclamando incessantemente que «quem ainda não nasceu é o mais fraco, o menor, o mais miserável». Inclinou-se sobre as pessoas indefesas, deixadas moribundas à beira da estrada, reconhecendo a dignidade que Deus lhes dera; fez ouvir a sua voz aos poderosos da terra, para que reconhecessem a sua culpa diante dos crimes ― diante dos crimes! ― da pobreza criada por eles mesmos». Ficou conhecida como a «santa das sarjetas» e também como «a serva ou santa dos pobres». Em 1950, fundou a congregação religiosa das Missionárias da Caridade, espalhada já por muitos países. No dia 17 de outubro de 1979 recebeu o prémio nobel da paz.
A pobreza continua a ser fonte de muitos santos e santas. Esta e outras canonizações da Igreja Católica não podem deixar de nos sobressaltar e de despertar em nós o desassossego, porque põem a nu a nossa incoerência, praticamos muito pouco os belos discursos que fazemos sobre os pobres e a pobreza, persistindo a indolência, o egoísmo, a indiferença e a resignação, e não podemos deixar de constatar que fazemos muito pouco para atacar as causas que ainda continuam a empurrar muitas pessoas para a valeta da vida, sendo condenadas a viver uma vida sem o mínimo de dignidade.
Concluo com dois episódios da sua vida. Conta o Cardeal Ângelo Comastri: «A Madre Teresa olhou-me com dois olhos límpidos e penetrantes. E, logo de seguida, perguntou-me: ‘Quantas horas reza por dia?’. Eu fiquei surpreendido com essa pergunta e tentei defender-me dizendo: ‘Madre, da senhora eu esperava um chamamento à caridade, um convite a amar mais os pobres. Por que me pergunta quantas horas eu rezo?’. A Madre Teresa agarrou as minhas mãos, apertou-as entre as dela, como que para me transmitir o que lhe ia no coração, e segredou-me: ‘Meu filho, sem Deus nós somos pobres demais para ajudar os pobres! Lembre-se: eu sou apenas uma pobre mulher que reza. Rezando, Deus coloca o Seu amor no meu coração e assim eu posso amar os pobres. Rezando!»
Madre Teresa de Calcutá recebeu em Oslo, Noruega, em 1979, o Nobel da Paz. No regresso, passou por Roma, onde recebeu jornalistas, um dos quais lhe perguntou com uma pontinha de intriga: «Madre, a senhora tem setenta anos. Quando morrer, o mundo será como antes. O que mudou depois de tanto esforço?» Madre Teresa respondeu com um sorriso: «Nunca pensei que poderia mudar o mundo! Eu só tentei ser uma gota de água limpa em que pudesse brilhar o amor de Deus. Acha pouco?». O jornalista emudeceu e Madre Teresa acrescentou: «Tente ser também uma gota limpa e, assim, seremos dois». «É casado?», insistiu Madre Teresa. «Sim, madre.». «Peça também à sua esposa, e assim seremos três. Tem filhos? «Três, madre». «Peça também aos seus filhos e assim seremos seis».
Já no fim da sua vida, sentenciou: «Se eu alguma vez vier a ser santa, serei com certeza uma santa da escuridão. Hei-de estar permanentemente fora do céu a iluminar os que na terra se encontram na escuridão». Na escuridão estão aqueles que fecham os olhos e gelam o coração diante dos problemas e das necessidades dos muitos irmãos pobres que encontram pelo caminho da vida.

09.02.17

Plantu, cartoonista do jornal francês Le Monde, disse há dias, numa entrevista à revista Visão: «Há uma revolução a fazer nas escolas, nos media, na política. Não estamos preparados para a era da internet. Temos um instrumento genial, mas que não sabemos controlar».
Não sabemos controlar e até estamos a deixar que nos torne dependentes. Passamos horas e horas à frente de monitores e com telemóveis nas mãos, a mandarmos e a recebermos não sei quantas mensagens sem qualquer fundamento ou conteúdo, viciados em sms e em comunicação fútil. E chegámos aqui porque, como escreveu Pacheco Pereira no Público, vivemos em «sociedades sem relações humanas de vizinhança, de companhia e amizade, sem interações de grupo, sem movimentos coletivos de interesse comum que dependem de formas artificiais e, insisto, pobres, de relacionamento que se tornam aditivas como a droga. Não há maior punição para um adolescente do que se lhe tirar o telemóvel, e alguns dos conflitos mais graves que ocorrem hoje nas escolas estão ligados ao telemóvel que funciona como uma linha de vida.»
Vou acompanhando com alguma atenção as denominadas redes sociais, onde também estou presente e donde já tive mil desejos de sair, mas na última da hora o dedo não desce para o teclado, porque encontro sempre algo de positivo para continuar. Mas assumo muito desapontamento. Primeiro, porque muito raramente são redes. Há alguns casos de sucesso, mas poucos. Tagarela-se, publica-se, comenta-se, mas na vida tudo continua na mesma, cada um no seu canto. Tornámo-nos mais presentes uns para os outros, aumentámos o falatório, mas isso não significa um aprofundamento das relações humanas e um enriquecimento humano significativo. Depois, porque de social têm muito pouco, e por social eu entendo que ajudam a cimentar a interação e a aproximação entre pessoas, mas o que vejo crescer não é a abertura aos outros, a capacidade de escuta, o diálogo, a tolerância, o respeito pela diferença, a comunhão e o espírito de comunidade ou de fraternidade, mas o insulto, o ódio, a crítica leviana e mordaz, até mesmo parola, a maledicência, a calúnia, a banalidade noticiosa, a falsidade, a dissimulação, a ignorância, a agressividade entre pessoas e grupos. É verdade que as redes sociais são complementares para a verdadeira relação e comunicação que devemos ter uns com os outros todos os dias (atenção que já há muitas pessoas que vivem mais no virtual do que no real), mas mesmo assim esperava muito mais.
Com a internet e as redes socias, estamo-nos a transformar em sociedades confessionais, o que não deixa de ser surpreendente e intrigante. Reparemos como o Facebook e outras redes sociais se estão a tornar autênticos confessionários, onde vemos pessoas a contar a sua vida toda e até a expor a sua intimidade e privacidade. Mostra-se o batizado e o casamento, a festa de anos, as viagens que se fazem, o almoço e o jantar, as idas à discoteca, os banhos na piscina, a roupa nova que se estreou, o novo telemóvel que se comprou, o piloto a fazer piruetas com a bola, mostra-se a casa, apresentam-se habilidades, retratam-se estados de alma, prometem-se vinganças, choram-se traições, descarregam-se raivas, desforram-se inimizades, partilham-se desabafos de toda a espécie, mais estive aqui, mais estive ali, até o luto já tem lugar nas redes sociais. Que necessidade teremos de dizer isto aos outros e porque carga de água é que os outros têm de saber a nossa vida? Ou não saberemos viver sem os olhos e a aprovação e a presença dos outros? Parece que só sabemos viver se os outros estiverem a ver. O que noutros tempos só acontecia no encontro com um sacerdote, no segredo e na serenidade dum confessionário, algo que a Igreja sempre procurou fazer e faz com muito respeito e dignidade e que muitos padres fazem de forma magistral, agora passou para o Facebook e outras redes sociais. É interessante notar que este fenómeno acontece numa sociedade ciosa e radical na defesa dos direitos individuais, onde se proclama que quase não existe nada de mais sagrado do que a vida íntima e a vida privada das pessoas, que só a cada um diz respeito. Mas, contraditoriamente, é o que mais se vê e publica nas redes sociais.
Dizem os estudiosos da surpreendente e imprevisível natureza humana, que o ser humano tem sempre a necessidade, bem conhecida, de expressar sentimentos, partilhar medos, crenças e emoções, de falar de si e dos meandros da sua alma e dos outros. Mas há quem vá ainda mais longe: num mundo de muita oferta, é preciso saber chamar a atenção, e muitos até recorrem à exposição da sua intimidade para ver se caem nas boas graças de alguém. Num mundo de mercado, em que quase tudo se compra e vende, não há que olhar a meios para atingir os fins. Se usamos a nossa intimidade para ser uma mercadoria atraente para alguém ou até para simples exibição, é uma opção lamentável e põe a manifesto o aviltamento a que está chegar a dignidade de muitas pessoas.
As redes socias, na minha modesta opinião, são para partilharmos e comunicarmos coisas interessantes, que possam enriquecer a vida de todos ou até enriquecer o debate público, com o justo espírito crítico que se lhe exige, e não para andarmos a contar a nossa vida toda aos outros, por vezes num exibicionismo pacóvio, fazendo dos outros uns voyeuristas da nossa vida.

09.02.17

Tendo como pano de fundo a avaliação do Ano da Misericórdia já concluído, o Papa Francisco concedeu uma entrevista ao Semanário católico belga Tertio. Deixa-nos algumas considerações e reparos, tanto à Europa como à Igreja, de que vale a pena tomar nota.
Questionado sobre o laicismo agressivo adotado por algumas sociedades europeias, que procura afastar a religião da vida social e da atividade educativa, remetendo-a para a vida privada e encarcerando-a na sacristia, o Papa Francisco coloca a questão na ordem dos direitos humanos, no respeito pelo ser humano, e sublinha: «É uma posição antiquada. É uma herança que nos deixou o iluminismo, considerando-se que o facto religioso é uma subcultura. Uma coisa é a laicidade e outra coisa é o laicismo. O laicismo fecha as portas à transcendência. A abertura à transcendência faz parte da essência humana. É parte do homem. Uma cultura ou um sistema político que não respeite a abertura à transcendência da pessoa humana, poda, corta a pessoa humana. Ou seja, não respeita a pessoa humana. Mandar qualquer ato de transcendência para a sacristia é uma assepsia» (podemos talvez traduzir aqui por limpeza ou negação).
É opinião agora muito difundida que na raiz das atuais guerras está a diferença entre as religiões. Não é essa a opinião da Igreja, assim como do Papa Francisco: «Nenhuma religião como tal pode fomentar a guerra. Não se pode fazer a guerra em nome de Deus. O terrorismo e a guerra não estão relacionados com a religião. Usam-se deformações religiosas para a justificar. O religioso é amor, unidade, respeito, diálogo. Todas as religiões têm grupos fundamentalistas. Nós também. Destroem a partir do seu fundamentalismo. Deformam e enfermam a própria religião».
Depois da primeira guerra mundial, gritou-se em uníssimo na Europa: «Guerra nunca mais». Mas, infelizmente, o Papa lamenta que isso não se tenha cumprido, e acusa muitos líderes da Europa de lá para cá de hipocrisia e covardia, deixando que os interesses se sobreponham aos valores e aos princípios: «Estamos a viver a terceira guerra mundial aos pedaços. Dissemos da boca para fora «guerra nunca mais», mas continuamos a fabricar armas e vendemo-las. Creio que a Europa disse o «guerra nunca mais» sinceramente. Schumann, De Gasperi, Adenauer disseram-no sinceramente. Mas hoje fazem falta líderes. A Europa precisa de líderes que vejam mais além.»
Quanto ao futuro da Igreja, o Papa Francisco não tem dúvidas de que se deve construir uma Igreja sinodal: «A Igreja nasce das comunidades, nasce da base, nasce do batismo, e organiza-se em torno de um bispo. Ou há uma Igreja piramidal, em que se faz o que o Papa diz, ou há uma Igreja sinodal, onde Pedro (o Papa) é Pedro, mas acompanha a Igreja e a faz crescer, escuta-a, discernindo o que vem das comunidades e devolvendo-o. A sinodalidade é a unidade na diferença. Uma Igreja sinodal significa que se dá o movimento de cima para baixo e de baixo para cima. Pedro (Papa) é o garante da unidade da Igreja».
A atuação e os critérios dos meios de comunicação social merecem do Papa um juízo severo. Começa por considerar que são importantes: «Têm uma responsabilidade grande, têm a possibilidade de formar opinião, são bons para construir a sociedade, edificar, fazer bem, partilhar, fraternizar, educar e fazer pensar, são positivos». Mas atualmente deixam-se levar por quatro tentações, que deveriam procurar vencer: a calúnia (só falar mal), a difamação (criar más famas às pessoas por factos que já passaram, chafurdar no passado da pessoa), a desinformação (alimentar as meias-verdades, só dizer uma parte da verdade e esquecer a outra, não se permitindo às pessoas ajuizar devidamente diante da verdade completa, vergando-se a opinião pública numa certa direção), a enfermidade da coprofagia (só informar o que é escandaloso e polémico, comunicar só as coisas feias, «ainda que sejam verdade»). Os meios de comunicação social devem «ser limpos e transparentes».
Perante a indiferença, a agressividade e a violência que grassam no mundo, o Papa aponta um antídoto: «Hoje faz falta uma revolução de ternura e de misericórdia. O mundo sofre de cardioesclerose.»

09.02.17

Partilho aqui convosco três intervenções dignas de registo nos últimos dias.
1.Entre os dias 24 e 26 de Junho, O Papa Francisco visitou a Arménia. Não deixou de fazer uma referência pesarosa à história trágica e conturbada desta nação no século XX, nomeadamente o genocídio ou o holocausto arménio realizado pelo império otomano, entre 1915-23. Morreram oitocentos mil a milhão e meio de arménios. Para a maioria dos estudiosos e historiadores não há qualquer dúvida que se tentou a eliminação do povo Arménio, num dos primeiros genocídios da modernidade. A atual Turquia ainda não reconheceu ou não aceita o termo genocídio (em França é crime não o reconhecer), por isso, contestou e lamentou as palavras do Papa Francisco, que não teve dúvidas em afirmar na Arménia: «o «Grande Mal», que atingiu o vosso povo e causou a morte duma multidão enorme de pessoas. Aquela tragédia, aquele genocídio, marcou o início, infelizmente, do triste elenco das imensas catástrofes do século passado, tornadas possíveis por aberrantes motivações raciais, ideológicas ou religiosas, que ofuscaram a mente dos verdugos até ao ponto de se prefixarem o intuito de aniquilar povos inteiros.». Para a Igreja Católica não há dúvidas: foi mesmo um genocídio.
2.No dia 28 de Junho, O Papa emérito Bento XVI celebrou sessenta e cinco anos da sua ordenação sacerdotal. Num prefácio de um livro sobre Bento XVI, o Papa Francisco, que assina o prefácio, manifesta a admiração pelo exemplo do seu predecessor e não poupa nos elogios: «Ainda antes de ser um grandíssimo teólogo e mestre da fé, vê-se que é um homem que acredita verdadeiramente, que reza verdadeiramente; vê-se que é um homem que personifica a santidade, um homem de paz, um homem de Deus». É um bom «exemplo da «Teologia de joelhos», que valoriza a oração como «fator decisivo» na vida de quem se consagra a Deus. «É talvez e sobretudo do Mosteiro Mater Ecclesiae, para onde se retirou, que Bento XVI continua a testemunhar de modo ainda mais luminoso o fator decisivo, esse núcleo íntimo do ministério sacerdotal de que os diáconos, os sacerdotes e os bispos não devem esquecer nunca: que o serviço mais importante não é a gestão dos assuntos correntes, mas rezar pelos outros, sem cessar, alma e corpo, exatamente como o faz hoje o Papa Emérito». E sentenciou: «Sem a ligação com Deus, somos como satélites que perderam a sua órbita e se precipitam em louca corrida ao vazio, não só desagregando-se a si mesmos mas também ameaçando os outros». É bom ver esta estima e boa convivência entre Francisco e Bento XVI. Outra coisa não seria de esperar.
3. Entre os dias 24 e 25 de Junho, decorreu em Fátima o simpósio teológico-pastoral promovido pelo Santuário. O arcebispo de Boston, franciscano capuchinho, o cardeal D. Sean O´Malley, que integra o Conselho de Cardeais, com nove elementos, que o Papa escolheu para o aconselharem no processo de reforma da constituição do Vaticano e do governo da Igreja Católica, esteve presente no encerramento, com a última conferência. Na conversação que teve com a comunicação social, deixou-nos algumas afirmações importantes para a vida e a reflexão da Igreja e da sociedade em geral. Primeiro, destacou a importância dos santuários: «Muitas vezes as pessoas não têm tempo para a oração, para uma experiência religiosa e é só quando fazem uma peregrinação é que têm tempo para rezar, confessar-se, comungar, sentir-se parte de uma família de crentes». Destacou a importância de Maria na fé cristã: «A nossa teologia é muito cerebral, teórica, mas a virgem Maria faz tudo mais humano, sentimental». Sem a oração, dificilmente se pode ser um bom cristão: «Jesus veio ao mundo para salvar e não para instruir. Se só ensinarmos doutrina e história e não ensinarmos a rezar, seguiremos Cristo de longe e não seremos discípulos». Os cristãos têm de ser «mestres de oração». Precisamos de «transformar cristãos secularizados em apóstolos comprometidos», um trabalho árduo porque se vive hoje uma «verdadeira crise de valores, sem referências para os mais jovens. Eles precisam de mentores, alguém que os ensine e que pelo testemunho os ajude não a admirar Jesus mas a ser como Ele». É preciso propor outra educação e outra cultura: «Num mundo marcado pela fama em que os heróis foram substituídos por celebridades, com vidas frívolas e superficiais; numa cultura viciada pelo entretenimento os nossos jovens precisam ser ensinados». E lançou um desafio: «É urgente criar uma Civilização do amor que valorize o essencial», combatendo-se «uma sociedade onde a vida humana é constantemente desvalorizada; o eu individual sobrepõe-se a tudo; onde a segregação é uma marca permanente e onde a distribuição da riqueza está totalmente desequilibrada».

09.02.17

Este Verão fomos confrontados mais uma vez com o drama dos incêndios. No meu Concelho, Boticas, foi dizimada metade da mancha florestal, segundo estimativa do Senhor Presidente da Câmara, Fernando Queiroga, com a agravante de ser zona de caça. Na Madeira, assistimos mesmo a uma cena medonha e infernal. De acordo com as contas finais, terão morrido 4 pessoas, foram atingidas mais de duas centenas de casas, cerca de mil pessoas ficaram desalojadas, foram consumidos milhares de hectares de floresta.
Todos os anos levante-se uma grande celeuma à volta das causas e soluções para os incêndios. Com as sirenes dos bombeiros como música de fundo e no calor do momento, engenheiros, especialistas, estudiosos apresentam teses e estudos sobre a floresta e a sua má gestão, bem como soluções para esta chaga veranil. O governo compromete-se a enfrentar a sério o problema com a máxima urgência. Diretores e gestores de organismos ligados à gestão da floresta proferem discursos moralistas sobre a incúria do povo e do governo. O que é certo é que todos os anos persiste a sensação que pouco ou nada se faz, não há um verdadeiro plano nacional bem articulado com todos os agentes para se gerir bem a floresta e se combater os incêndios, o governo desliga-se do assunto, os cidadãos não mudam comportamentos. Já estamos a ver o que aí vem no próximo Verão.
Daí que os nossos bispos, reunidos em Fátima no dia 11 de Outubro, talvez também já um pouco saturados, como muitos portugueses, das proclamações de boas intenções na altura dos incêndios, que depois não dão em nada, através do seu porta-voz, P. Manuel Barbosa, tenham alertado para a importância de não se baixar a guarda na prevenção dos incêndios e que as promessas são mesmo para cumprir. Já estamos a encarreirar no costume: «parece haver um certo arrefecimento e que os incêndios arrefeçam está muito bem, mas o assunto em si não pode arrefecer. Os incêndios estão longe, esperemos que nunca apareçam mais e isso tem que ser muito bem preparado, é uma questão que envolve a todos».
Vamos lá ver se de uma vez por todas se faz uma gestão séria e competente da floresta e se se cria uma verdadeira estratégia nacional de combate aos incêndios, bem preparada pelo governo e organismos que têm essa responsabilidade. Pelo que se vai vendo, sem evitarmos a exasperação, está tudo ainda nas cinzas.
2.Acometido por um ato de fúria e loucura, um cidadão de Aguiar da Beira é suspeito de ter morto duas pessoas, uma da GNR, e de ter ferido outras duas com gravidade. Até este momento anda desaparecido. Começam a surgir no nosso país manifestações de violência inusitadas, o que faz transparecer a perda de valores e princípios fundamentais na nossa humanização e educação. D. Manuel Linda, bispo das forças armadas, no dia do funeral do GNR falecido, dirigiu uma carta aos familiares e amigos, onde chama a atenção para falhas na atual educação e formação humana e para alguma errância cívica: «a nossa cultura e maneira de viver, aqui na Europa, está a tornar-se problemática. Por um lado, à base de um conceito errado de liberdade, não se insiste na modelação do nosso temperamento, na formação moral e na educação para os valores. E o mal mais terrível encontra campo aberto para se impor, a ponto de a vida humana se tornar apenas uma questão de preço e, por sinal, para os malvados, um preço muito baixo: mata-se por «dá cá esta palha», como diz o povo. Por outro lado, as Forças de Segurança, concretamente a Guarda, são ignoradas pela maioria, menosprezadas por muitos e até adiadas por alguns. Delas se exige que a legalidade impere mas, quando as coisas correm com tranquilidade, alguns acham que estão a mais.» E deixou um recado ao governo e ao cidadão em geral, com o qual concordo: «qualquer dia sujeitamo-nos a que poucos ou nenhum queiram entrar nesta Força de Segurança porque a dureza de vida é enorme, a exposição social incomoda e a compensação, concretamente o salário, é muito pequena. Então, que queremos? Que o mal campeie e a ilegalidade alastre por falta de quem lhe ponha cobro? Eis, pois, uma questão não apenas social, mas mesmo moral: dê-se à Guarda e às outras Forças de Segurança os meios humanos e técnicos, os equipamentos e a formação sem os quais não podem afrontar o mal que cada vez parece ressurgir com mais intensidade. E faça-se tudo para se valorizar, social e economicamente, esta altruísta e nobre função de preservar a boa harmonia social, a paz, a liberdade e a legalidade.»

09.02.17

No dia 2 de dezembro, faleceu o Monsenhor Ângelo Minhava, com a invejável idade de 97 anos. Nasceu na Freguesia de Ermelo, Concelho de Mondim de Basto, a 15 de janeiro de 1919.
Sem desprimor para com ninguém, foi das pessoas mais singulares e extraordinárias com quem convivi, e muitos o poderão dizer muito mais do que eu. Viveu uma vida exemplar ao serviço da Igreja, como padre, e ao serviço dos outros, sobretudo no campo da música e da literatura. A cultura foi o seu habitat natural, enriquecendo-a com a sua grande inteligência e o seu espírito inventivo e criativo ímpar. Escreveu várias obras literárias de poesia e teatro, entre outras, musicou muitos poemas, dirigiu tunas e grupos corais, é autor de várias marchas e de músicas litúrgicas. Tinha uma cultura geral abissal.
Não deixava de espantar, primeiro que tudo, pela sua humanidade e simplicidade desarmantes, sempre alegre, delicado, com voz doce, com uma educação polida, acessível, afável, sem vaidade e sem pavoneio balofo, nada dado a veneradas eminências, íntegro. Era um grande homem.
Era um estudioso e um curioso insaciável, ávido por saber e por conhecimento, queria sempre saber de tudo e questionava tudo. Dava-se ao luxo de com 90 anos andar com um pequeno dicionário de russo no bolso, alimentando obstinadamente a sua faceta de autodidata, notória na sua maneira de ensinar. Via-se muitas vezes na solidão dos cantos dos corredores do seminário a ler atentamente livros ou jornais ou a compor músicas, sussurrando e abanando a cabeça e os ombros, músicas prontas a ensinar nas aulas de música.
Tinha um grande poder de observação, não deixando sempre de exercitar o seu espírito crítico apurado e de suavemente deixar os seus reparos e sugestões, que se ouviam com atenção. Não gostava, por exemplo, que lhe dissessem «ouça lá», ao que respondia «ouça lá a sua mãe», «ouça lá tem nome, está bem meninos?» ou que alguém limpasse o nariz ruidosamente, como muitas vezes fazemos. Com a testa franzida, sentenciava com ar sério: «o nariz limpa-se sem ruído, como é lamentável fazermos de corneta quando reina o silêncio ou alguém está a falar».
Aqui há uns tempos atrás, perguntei-lhe sobre o que o motivou a compor e a escrever a marcha de Montalegre. Com um sorriso nos lábios, um pouco pensativo, respondeu: «Sempre tive a impressão de que Barroso é uma terra agreste e fria, que tinha de ser habitada por gente valente e sem lamúrias, gente da lavoura. Reparei que os colegas que tive de Barroso eram destemidos, fortes e verticais e ao mesmo tempo generosos. Pegando no castelo e num pouco da sua história, retratei estas virtudes do povo barrosão». Deixou-nos a Marcha de Montalegre, que orgulhosamente cantamos.
No dia 4 de dezembro, na Sé de Vila Real, a diocese, familiares e amigos despediram-se de um grande homem e de um bom padre, de um ser humano excecional e de um criador raro, que enriqueceu abundantemente a vida dos outros, da Diocese de Vila real e da cultura.
Conta-se que um dia vinha com uns poucos de livros nas mãos e um empregado do seminário, que tinha alguma confiança com o Monsenhor Minhava, reparou e gritou do fundo do corredor: «ó Senhor Padre Minhava, um burro carregado de livros até parece um doutor.» O Monsenhor Minhava terá sorrido e ripostou: «é verdade, rapaz, mas um doutor que não lê livros é burro».

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