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minhas notas

01.03.16

Ninguém terá dúvidas em aceitar que vivemos num nível de civilização muito bom, ou, pelo menos, razoável. Ainda há muitos progressos a fazer, no campo dos direitos e dos deveres humanos (seria bom que se falasse dos dois ao mesmo tempo), da justiça social, da igualdade, do trabalho, da educação, da saúde, dos direitos individuais, das oportunidades, mas o que já se alcançou até agora é assinalável. Mesmo uma pessoa pobre pode viver com o mínimo de dignidade. Temos hoje ao nosso dispor uma oferta de bens, produtos e serviços que nenhuma outra sociedade teve. A conclusão é óbvia: temos uma sociedade que vive com altos índices de satisfação, realização e felicidade. Mas, não é bem assim.
Vários estudos e relatórios de entidades portuguesas, de inquestionável competência e seriedade, que não vou nomear, traçam um cenário mais núbio e complexo da sociedade portuguesa. Reparem nestes dados: o suicídio aumentou 16 % no ano de 2014, com maior incidência sobre as mulheres. Os homens continuam a ser a esmagadora maioria, com grande ocorrência nos idosos, mas está a subir nas mulheres jovens. Estudiosos afirmam que o número ainda será superior, o que nos faz integrar o grupo dos países com mais suicídios no mundo, apesar de sermos um país do sul da Europa, região onde se registam menos suicídios. A faixa etária onde se registou o maior aumento foi entre os 55 anos e os 64 anos. Um em cada cinco portugueses vive com sofrimento psicológico. 23 % sofrem de doenças mentais, sobretudo perturbações depressivas e ansiedade, a mais alta da Europa. Andar em psiquiatras tornou-se um hábito. Aumentou o consumo de antidepressivos e de tranquilizantes, assim como do álcool, sobretudo da parte das mulheres, dos idosos e das pessoas com menos escolaridade. Concluímos, assim, pungentemente que uma boa parte do Portugal profundo vive com sofrimento psíquico e está envolta num turbilhão de tristeza, nervosismo, insatisfação e desespero.
São dados que não nos podem deixar indiferentes. Um bom número de portugueses não vive, mas sobrevive na angústia e com grande desconforto, sem esperança, sem alegria de viver, sem um sentido, sem prazer e felicidade. Chega-se mesmo ao ponto de não ter qualquer razão para continuar a viver, sem qualquer amor por nada nem por ninguém. Relativamente às causas desta tempestade melancólica e depressiva, seremos lestos em apontar o arrastamento da crise económica, as permanentes dificuldades económicas, o desemprego crónico, que estão a fazer regredir a qualidade de vida e a promover a decapitação de perspetivas e desafios para o futuro. É inegável que a crise económica tem um peso muito grande nesta desesperança. Mas seria redutor ficarmos só por aí. Há pessoas pobres que não perderam o entusiasmo e a alegria de viver. Há outras causas mais profundas.
A verdade é que muitas pessoas, hoje em dia, vivem num grande vazio existencial. Têm como grande objetivo de vida atingir um certo nível de bem-estar e gozar uma série de prazeres mundanos considerados sagrados para se ser feliz. E deixou-se de pensar a vida para além disto. Quando a segurança material cai, fica-se perdido numa encruzilhada, sem saber que rumo dar à vida. Estamos a perceber assim que reduzir a vida ao bem-estar, ao materialismo e ao hedonismo (prazer e menor esforço) leva-nos para um beco sem saída e chegamos à penosa conclusão de que a vida está construída com alicerces de areia. Temos de abordar e pensar a vida de outra maneira, com horizontes mais largos e com outra profundidade, que o pensamento curto atual não tem. Decretou-se que a fé era anacrónica, que a religião era uma perda de tempo e um passatempo de beatos e beatas, o tema de Deus passou a suscitar a maiores objeções, deitou-se fora o saber e a sabedoria milenar de santos e santas e das tradições religiosas, excomungaram-se a doutrina e a moral religiosas, calou-se a consciência, desprezou-se a espiritualidade sã e a interioridade humana, a troco de quê? Nada ou quase nada. Lá diz o cântico: «não é fome de pão, não é sede de água, são razões de viver, o que nos falta».

01.03.16


Pelos vistos, vivemos tempos de desencanto e indiferença. Criámos um ser humano saturado de tudo, abúlico, acrítico, farto de tudo, sem vontade e motivação para se entregar a convicções, sãs utopias e causas e lutar por metas e objetivos pessoais e sociais, que não sejam os imediatos, que foge da exigência e do esforço, anestesiado pela vida fácil e divertida, obviamente, não generalizando. Daí que se ouçam com muita frequência já muitos psicólogos, analistas sociais, pedagogos, educadores, bem como pais e peritos mestres da motivação, a incitar à cativação e à sedução. É preciso organizar operações de sedução às crianças, aos jovens, às pessoas em geral para tudo e mais alguma coisa, senão ninguém as arranca do desinteresse, do marasmo e da modorra espiritual e intelectual em que alegremente ou, diria, pobremente vivem. As pessoas desinteressaram-se da política porque os políticos não cativam, daí, dizem, o número vergonhoso da abstenção. As pessoas afastaram-se da Igreja porque a Igreja não cativa. Presidentes e orientadores de associações, instituições e movimentos e lançadores de iniciativas vão afirmando que há um absentismo generalizado e uma grande desmotivação, o que mais se vê é pessoas desinteressadas e esquivas. O admirável mundo da indiferença!
Que ser humano temos andado a construir? Será que estamos a chegar ao esperado ponto final da sociedade do bem-estar e da diversão, que não poderia produzir senão um ser humano passivo, amorfo, entediado e enfastiado por ter tudo e não ter conquistas para alcançar? O que mais me espanta nisto tudo é que, pelos vistos, as pessoas estão ocas por dentro. Não têm um ideal de vida consistente, que procuram atingir, para além dos interesses individuais, a não ser os fúteis que a cultura dominante propõe. Não têm convicções e um programa ou um projeto de vida. Não têm códigos de conduta e de moral claros, que as façam vencer o hedonismo imediato e a conveniência, respeitando a fidelidade a compromissos. Não têm objetivos nobres para si e para a sociedade, que as leve a gastar uma boa parte do tempo da sua vida a se dedicarem aos outros e a transformar e a renovar a sociedade. Bastava que muitas pessoas tivessem um pouco disto e são seria preciso andar a toda a hora com a palavra cativação na boca.
Se é verdade que a nossa educação e formação se aprimoraram nalguns conteúdos e nalgumas estratégias, de comprovada eficácia, também temos de dolorosamente concluir que ainda estão imersas numa grande vacuidade, que a médio e longo prazo terá um grande preço. A escola e a família não se podem preocupar apenas com a instrução de conhecimentos intelectuais, com o bem-estar e com o exercício de um ofício para se assegurar a estabilidade de vida. O importante é formar um ser humano responsável, comprometido, ativo, crítico, audaz, que procure dar mais do que receber, que procure ser inovador e enriquecedor para a sociedade, que procure com grandeza e nobreza a realização da sua humanidade e a dos outros, que procure ver e ir sempre mais longe, numa obstinada superação de si mesmo. Eduquemos e formemos melhor, para não termos de passar o tempo a dizer que é preciso cativar.
Natalidade
No ano de 2015, registou-se uma ligeira melhoria dos nascimentos em Portugal. Lembro que somos o sexto país mais velho do mundo e temos a mais baixa natalidade da Europa. A natalidade é um tema de elevada importância. Está em causa o equilíbrio, a sustentabilidade e o futuro da sociedade portuguesa. Custa ver como os sucessivos governos não atacam de forma firme e determinada o problema, apenas lançando pequenos incentivos ou ténues medidas corretivas. As Câmaras estão a dar melhor exemplo. O problema não tem uma solução fácil, mas já era tempo de se ir fazendo caminho, como repensar urgentemente na cultura do trabalho, nos horários de trabalho e na liberdade que a mulher ou a família em si pode recuperar e não me interpretem mal neste tema. Muitos casais também podem ir mais longe, sendo questionável a indolência e a submissão aos valores frívolos que hoje imperam. Eu já teria tomado algumas decisões, por pífias ou insuficientes que possam ser: não deixar que uma mãe chegue a casa às onze horas da noite e tenha que entrar no emprego às seis ou às sete da manhã, pelo menos nos primeiros anos da criança; impor as 19 ou as 20 horas a todos os serviços e comércios; libertar o fim de semana para a família; dar uma remuneração a uma mãe desempregada, que quisesse criar outro filho, dinheiro muito mais bem empregue do que alguns apoios e subsídios que criam parasitas e alimentam vidas inúteis; aumentar os abonos e outros apoios às famílias. Venham outras.
Sexualidade
Nesta sociedade erotizada e pansexualista em que vivemos, a maior parte das vezes, sobretudo nos media, em que se fala de sexualidade não é pelas melhores razões. Ou é para se falar da sensualidade de uma mulher impúdica, ou de estados de ninfomania e de satiríase, ou de desvios e abusos. O tema da sexualidade parece, assim, um tema estranho, confuso, perverso, vergonhoso, incómodo. A sexualidade faz parte da vida, não é um tabu nem um tema amaldiçoado. Exige formação e educação. Seria bom, sobretudo na família e na escola, que se fale e apresente a sexualidade de forma positiva, saudável, responsável, humanizadora, casta, para além das muitas vivências erradas dela que a sociedade mais publicita.

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