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minhas notas

18.04.13

O Papa Francisco tem sido uma agradável surpresa. De todos os lados, chegam ecos de júbilo e de satisfação, inclusive de algum mundo ateu, que não escondeu o interesse e a inquietação que o novo Papa lhe suscita. Porquê esta boa aceitação geral? Com uma presença afável, inaugurou um novo estilo, com a marca da simplicidade e da humildade, acompanhado com algumas pequenas grandes decisões da vida diária, em rutura com o passado. Um estilo mais evangélico e na fidelidade ao estilo de vida de Jesus Cristo. O santo em quem se diz inspirar diz tudo: S. Francisco de Assis. Há quem o acuse de estar a recorrer à teatralidade para limpar o rosto de uma Igreja que se deixa tentar pelos ornamentos do poder e da reverência. Penso que é uma crítica injusta e infundada, se olharmos ao percurso da sua vida, orientado por aquelas virtudes. Quando afirmo que inaugurou um novo estilo, não quero dizer que o estilo dos seus antecessores era mau ou despropositado. É diferente. Bento XVI tinha um estilo claramente intelectual, que, infelizmente e para mal da Igreja, não agrada muito aos cristãos. Gostamos mais de quem nos sorria e abrace do que de quem nos faça pensar e ver para além da superficialidade. O Papa Francisco manifesta proximidade, ternura e sobriedade.  

A sua mensagem, sem floreios inoportunos de oratória e jactância intelectual, tem sido simples, mas oportuna e incisiva. Nota-se que não vem de uma cultura livresca, mas de uma vida de fé intensa e interiormente vivida. Saliente-se a referência ao poder da Igreja que é o serviço. O fim da Igreja não é ter poder, mas servir a humanidade, mandatada e orientada por Jesus Cristo, o grande servo dos homens. Na sua homilia inaugural, no dia de S. José, chamou atenção para o papel de guardião que todos temos uns para com os outros e para com o mundo em que vivemos. Particular atenção mereceu-me a afirmação da sua homilia aos senhores cardeais: «Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor». Poderemos pensar que a afirmação não tem nada de excecional e não tem. Mas alerta para a instrumentalização da religião para fins meramente mundanos, sem referência ao divino, e para uma visão enviesada e distorcida da Igreja, que, hoje, recolhe grande aceitação social.

Anda por aí espalhada uma visão horizontal e utilitária da Igreja e da religião, com grande indiferença pela transcendência, e até me pergunto se o grande entusiamo que anda à volta do Papa Francisco não nasce muito desta visão errada da Igreja e da religião, em que se encara só a Igreja como útil para difundir o bem, construir concórdias, impedir guerras, evitar matanças, promover valores humanos e socias, defender os direitos humanos, consolar pobres e deserdados, cuidar de idosos, irradiar afeto, possibilitar a paz e as relações internacionais, solucionar problemas económicos. É verdade. A Igreja desenvolve muitas destas ações, que muitas Organizações Não Governamentais também fazem, mas fá-lo em nome da fé em Deus, para quem apela. A Igreja não é uma instituição meramente humana, que nasceu da vontade dos homens, para atingir objetivos unicamente socias e humanos. A Igreja nasceu da vontade de Deus, para construir e promover a relação e a comunhão com Deus e a partir de Deus edificar uma fraternidade sólida e verdadeira entre todos os homens. Este é o primeiro e principal fim de todas as ações da Igreja. Apesar de prestar muitos serviços que as Organizações Não Governamentais prestam, a Igreja não é uma ONG. É muito mais do que isso. Busca a comunhão com Jesus Cristo, donde tudo parte e onde tudo chega, e em Jesus Cristo com Deus e a construção do Reino de Deus na terra. A Igreja tem uma dimensão transcendente e vertical. A quem procura a Igreja só porque ela presta serviços úteis para o bem-estar humano e social, sem querer abrir-se a Deus e ao seu amor e à comunhão que a Igreja é à volta desse amor, há que lhe dizer que bateu à porta errada. Querer a Igreja, sem querer Deus, é inaceitável e muitas pessoas querem uma Igreja sem Deus, que preste serviços para consumo ou conforto, mas que não fale de Deus. Não será este equívoco que está presente em algum entusiasmo à volta do Papa Francisco?  

2. Todos os anos, realiza-se, em Montalegre, a Queima do Judas, na noite de Sábado santo. Não ponho em causa a sua organização e quem a organiza. Mas há duas coisas que não entendo: se as tradições têm algum fundo histórico, não entendo a realização da tradição na noite de Sábado santo, em que a Igreja já aclama Jesus ressuscitado. Tem mais sentido cumprir a tradição na quarta-feira ou na quinta-feira da semana santa, dias em que aconteceu a traição de Judas. Mas pior do que isto, não entendo a indiferença de muitos cristãos em relação à vigília pascal, na noite de sábado santo, que o missal descreve desta forma: «A celebração anual da morte e ressurreição do Senhor tem o seu ponto culminante na Vigília Pascal, coração da liturgia cristã, centro do ano litúrgico, a mais antiga, a mais sagrada, a mais rica de todas as celebrações, «a mãe de todas as vigílias» (Santo Agostinho)». Como é lamentável ver muitos ditos cristãos a preocuparem-se com tradições muito menos importantes do que as celebrações cristãs, que deveriam estar no centro dos seus interesses e motivações. Uma noite com tão grande peso eclesial e celebrativo deveria estar no centro das prioridades de qualquer cristão e não deveria ter distrações pouco condizentes com a sua grandeza. São estes cristãos que depois nos aparecem nas igrejas para batizar os filhos, serem padrinhos de batismo e celebrar as comunhões dos filhos. Como? Como é que é? É preciso ter algum descaramento.  

05.04.13

Talvez embalado pela contemplação da grandeza e da loucura do amor de Deus na paixão de Jesus Cristo, dei por mim a meditar no complexo e insondável mistério do sofrimento, a sua origem e o seu sentido. Não tenho dúvidas de que muitas pessoas já se viram diante do mesmo mistério e das mesmas perguntas, com muita mais agudeza do que eu, e que o digam aqueles que o estão a enfrentar com toda a sua dureza e crueldade. O sofrimento é das experiências mais intensas e marcantes que o ser humano experimenta e que mais o fazem questionar o sentido e o rumo da existência. Deixa marcas indeléveis e inapagáveis, seja o sofrimento moral e espiritual (os remorsos de consciência, a morte, a hostilidade e incompreensão do meio onde se vive, a perseguição, o abandono, a solidão, a injustiça, a ingratidão, entre outros), seja o sofrimento físico (as doenças, as limitações do corpo humano), não esquecendo que ambos os sofrimentos andam juntos.

Há sofrimento que não nos custa a aceitar e a compreender. Um alcoólico que está na cama de um hospital, na agonia dos últimos dias de uma cirrose, sabe porque está a sofrer. No íntimo de si mesmo, não poderá deixar de ouvir a voz da sua consciência a lembrar-lhe todo um caminho de irresponsabilidade e de excessos que percorreu ao longo da sua vida. Sofre porque deixou vencer um vício e porque não deu o rumo certo à sua liberdade, sabendo que poderia ter escolhido perfeitamente outro caminho. Só tem de se queixar de si mesmo, por muito que pesem alguns fatores à sua volta. Um atleta que quer ganhar uma medalha de ouro sabe que não o consegue sem sofrimento. Terá de passar por muitas privações e sacrifícios, mas aceita-os livremente em nome de um bem maior e duma realização humana que alcançará.

Há sofrimento que não aceitamos, mas que mais tarde compreendemos e agradecemos. Quem de nós não recorda alguma disciplina, rigidez e privação (no bom sentido), exigência, trabalho e persistência que os nossos pais e professores nos impuseram? Possivelmente, mergulhados na nossa incompreensão, custaram-nos algumas lágrimas choradas em segredo, dias com semblantes sisudos, e, no pior dos casos, revolta e ressaibo. Mas hoje estamos mais do que agradecidos porque nos capacitaram para a vida, para a nossa autonomia e responsabilidade, promoveram a nossa maturidade humana. Compreendemos que há um sofrimento que faz parte da vida, há um sofrimento que é aceitável e útil porque ajuda a crescer e a dar valor à vida e às coisas da vida. Não generalizando, quando olho para a nossa juventude atual e vejo o pouco valor que ela dá a certas coisas e a facilidade com que se desenvencilha delas, é porque sofreu pouco para as ter. Aliás, penso que temos aí uma geração que está demorar a amadurecer porque os pais, na conceção errada de que ser feliz é ter tudo, é ter todos os bens e não ter nenhum mal, privaram os filhos deste sofrimento útil que ajuda os filhos a crescer e a saber viver para além de si mesmos. 

Há depois o sofrimento bruto e atroz, que não aceitamos e não conseguimos compreender, como é o caso de uma doença incurável e as limitações cada vez mais dolorosas e atrozes que ela oferece. E que dizer quando uma criança já nasce com este fardo. É complexo. A natureza tem as suas falhas. E não há uma resposta cabal e plenamente satisfatória para a sua origem e sentido, embora a Palavra de Deus nos aponte algumas luzes. São inevitáveis as perguntas: que sentido é que tem uma existência assim? Que sentido tem nascer para sofrer e fazer sofrer? Porque é que Deus permite estas situações de grande sofrimento? Como não podia deixar de ser, Deus é o primeiro a sentar-se no banco dos réus, ou por aquilo que fez ou por aquilo que deixou ou deixa de fazer. E por uma razão muito simples: Deus é o todo-poderoso, é o omnipotente, é o omnisciente, é o criador que criou tudo muito bom, tem o poder de renovar e recriar todas as coisas. É o Senhor de todos e de todas as coisas. Se as fez para o bem e para a vida plena, porque é que permite o sofrimento e não intervém contra a sua desumanidade e ferocidade? Todos aqueles atributos que aprendemos de Deus na catequese estão bem, mas têm de ser bem entendidos, e o nosso mestre é obrigatoriamente Jesus Cristo, imagem de Deus. Tudo aquilo está muito feito à nossa imagem e Deus não é como nós pensamos, nem age como nós gostaríamos que agisse. O Deus de Jesus Cristo não encaixa nos nossos esquemas.

Importa, desde já, dizer que Deus não é o criador do mal e do sofrimento e que Deus não o deseja para nenhum ser humano. No tempo de Jesus, entendia-se o sofrimento como castigo pelo pecado, o que à luz da fé cristã não tem o mínimo cabimento. O mal, nomeadamente o mal moral, surgiu por culpa do homem, que, desde o início da história, na sua liberdade, rejeitou a Deus e os seus desígnios de amor e de vida para toda a humanidade. O sofrimento faz parte da nossa humanidade. Na Bíblia, vemos que Deus foi sempre um Deus atento e sensível às dores, angústias e opressões do seu povo e que nunca deixou de dar uma resposta ao clamor do seu povo, buscando a sua libertação e felicidade. Jesus Cristo foi um grande lutador contra o sofrimento humano, sem se perder em grandes explicações do mesmo. Deus não é o causador e o promotor do sofrimento, mas é o grande aliado que temos na luta contra o sofrimento.

Ainda tenho na minha memória uma frase do padre e poeta José Tolentino Mendonça, dita numa entrevista à comunicação social: «Deus é um conjunto de perguntas e não um conjunto de respostas». Habituámo-nos a encontrar em Deus todas as soluções, a fazer dele o Deus-providência que tem de acorrer a tudo e a todos, sem mais nem menos, como um bombeiro, e como se tivesse uma varinha mágica na mão para resolver tudo milagrosamente e nos livrar de todas as dificuldades. Mas Deus não é assim, nem pode agir assim. Um Deus assim seria uma força arbitrária informe toda-poderosa, dispensadora de serviços, que faria dos homens marionetas nas suas mãos, mas não seria um Deus pessoa para construir uma relação sólida e séria com a humanidade. O Papa emérito, Bento XVI, dizia há uns tempos, numa catequese: «A sua omnipotência (de Deus) não se manifesta na violência, não se exprime na destruição de todo o poder adverso, como nós desejamos, mas expressa-se no amor, na misericórdia, no perdão, na aceitação da nossa liberdade e no apelo incansável à conversão do coração, numa atitude só aparentemente frágil — Deus parece frágil, se pensamos em Jesus Cristo que reza, que se deixa matar. Uma atitude aparentemente débil, feito de paciência, de mansidão e de amor, demonstra que este é o verdadeiro modo de ser poderoso! Este é o poder de Deus!». Deus é todo-poderoso, no amor e pelo amor que ama sempre e dá tudo. E quando age, age a partir de dentro e não do exterior, pela força da vida e do Espírito que oferece ao homem.

Já estamos a ver assim qual é a resposta de Deus ao sofrimento humano: a encarnação e a Cruz de Jesus Cristo. No seu Filho, Deus veio e vem para o meio de nós, ajudar-nos a carregar as nossas dores, sendo o bom samaritano de todo o homem que se encontra esmagado pelo sofrimento numa valeta qualquer da vida. Face à grande súplica da humanidade diante do sofrimento, Deus mandou-nos e manda-nos o seu Filho, mostrando-nos assim que está ao nosso lado, a sofrer connosco e que, se unirmos com amor o nosso sofrimento ao sofrimento de Cristo, o nosso sofrimento torna-se redentor e santificador para o mundo, não é absurdo, mas tem um sentido, completando a paixão de Jesus Cristo, como nos diz S. Paulo.  

Todo o sofrimento deve ser combatido, sem dúvida. Rouba a vida ao homem. Mas há sofrimento que é inevitável e intransponível. E diante deste sofrimento não existem explicações. Há caminhos: oferecê-lo a Deus, unidos a Cristo, para nosso bem e para a redenção de toda a humanidade e estando ao lado de quem é vítima dele, à imagem do bom samaritano que Cristo é para nós. 

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