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minhas notas

21.12.11

 

Estamos a aproximar-nos de uma das festas mais ternas e mais bonitas que ainda persistem na nossa cultura: o Natal. A celebração da incarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, que se dignou assumir a nossa condição humana. Acontecimento exclusivo do Cristianismo: Deus fez-se homem. Mais nenhuma religião tem isto. Deus quis ser o Emanuel, o Deus connosco, e fê-lo de forma surpreendente: vindo para o meio de nós, carne da nossa carne, ossos dos nossos ossos. Oh maravilha das maravilhas!

Como o Natal é uma festa que nos espanta e enternece, nasceram muitas tradições à sua volta, muitas delas fruto da cristandade em que se viveu, não há muito tempo. Saberemos a razão de ser das tradições do Natal? Noto que muitos cristãos seguem as tradições e costumes do Natal, mas sem saberem muito bem qual é o seu conteúdo e o seu fundamento. Vamos tentar compreender um pouco.

Antes de mais, alguns esclarecimentos de carácter histórico e bíblico. Muitos cristãos foram habituados a «sacralizar» a Bíblia, interpretando tudo à letra como lá está. Atenção, que muitas vezes é preciso interpretar e compreender, porque, quem escreveu, quis acima de tudo passar uma mensagem e não criar fundamentalismo literário. Como sabemos, os Evangelhos só foram escritos depois da ressurreição de Jesus Cristo, a partir mais ou menos do ano 60 do primeiro século. Pouco se sabia da infância de Jesus. Jesus Cristo não teve um repórter ou um historiador a seu lado para relatar detalhadamente a sua vida. De forma que, quando os evangelistas se lançaram na empresa de escrever sobre a vida e o ensino de Jesus, tentaram reconstruir os primeiros anos da sua vida, recorrendo aos acontecimentos e às promessas do Antigo Testamento e inspirando-se na história concreta que a Igreja vivia, formulando, assim, páginas de catequese e de expressão da sua fé e não relatos históricos. Alguns dados da história eram irrecuperáveis, como o dia exacto do seu nascimento, entre outros. Com o tempo, a Igreja também foi colmatando algumas lacunas. Ora, assim sendo:

Nasceu Jesus a 25 de Dezembro? Não. O dia exacto do seu nascimento é desconhecido. Os últimos estudos afiançam até que Jesus terá nascido 6 ou 7 anos antes da nossa era (no reinado de Herodes). No dia 25 de Dezembro, os povos pagãos celebravam a festa do nascimento do Deus Sol, com a entrada do solstício de Inverno (vitória da luz sobre a noite mais longa do ano). Com o tempo, os cristãos tentaram dar um conteúdo diferente a essa festa ou absorveram-na com as suas festas, de forma que o Papa Júlio I decretou em 350 que o nascimento de Cristo deveria ser comemorado no dia 25 de Dezembro, substituindo a veneração ao Deus Sol pela adoração ao Salvador Jesus Cristo. A verdadeira luz é Jesus Cristo. O nascimento de Cristo passou a ser comemorado no Solstício do Inverno em substituição das festividades do dia do nascimento do Sol Invicto. É uma das hipóteses, entre outras.

Os reis magos existiram? Não. O relato dos reis magos é um texto, ou até uma parábola, do que estava a acontecer na Igreja, na altura em que os Evangelhos estavam a ser escritos, que era a adesão dos povos pagãos a Jesus Cristo, ao contrário dos judeus, que o recusaram desde a primeira hora. Quer-se sublinhar a universalidade da salvação de Jesus Cristo, que não exclui nenhuma raça nem nenhuma cultura. Os seus presentes expressam a fé dos pagãos: acreditavam e acreditam em Jesus, Filho de Deus feito homem, Rei e Senhor da História e do mundo.

Houve uma estrela do oriente? Não. Muitas têm sido as teorias, a que cientistas, astrónomos e astrólogos se entregaram. Uns dizem que foi uma estrela nova, outros um cometa e outros até que aconteceu uma conjugação de planetas. Não aconteceu nenhum fenómeno no firmamento. A estrela simboliza a luz da fé que fez com que os pagãos descobrissem Jesus como o Salvador. Quem os guiou não foi nenhum astro, mas a fé.

Houve a matança dos inocentes? Não há dados seguros da sua historicidade. Só S. Mateus fala nela. Lembram-se que, no Antigo Testamento, também o Faraó mandou matar todos os recém-nascidos dos hebreus e só se livrou Moisés, lançado numa cesta ao Rio Nilo, que mais tarde viria a ser o libertador do povo hebreu? Mateus recorreu a este acontecimento para nos apresentar Jesus como o novo Moisés, o novo libertador que vinha celebrar uma nova aliança com todos os povos da terra. Por outro lado, é um episódio que procura retratar a famosa crueldade de Herodes, que mandou matar vários familiares, inclusive mulher e filhos, e notáveis do reino.

Não havia lugar para Maria na hospedaria? Muitas peças de teatro que por aí andam, apresentam-nos muitas vezes um José aflito batendo às portas de casas e hospedarias a ver se encontrava um lugar para Maria dar à luz. Esta cena não tem fundamento. Seria José um pai descuidado? Andou a dormir e não preparou tudo como deve ser? É claro que não. S. José era um pai responsável e zeloso. Nas prescrições da lei de Moisés constava que uma mulher que dava à luz ficava impura. Tinha que se conservar separada dos outros. Só após cumprir as regras de purificação é que se podia juntar à família e aos amigos. Por essa razão, Maria teve de dar à luz num lugar isolado e humílimo da casa de algum familiar de José, em Belém.

Vejamos agora alguns costumes do Natal. A consoada. Noutros tempos, a noite de véspera do dia de Natal era uma noite de jejum. As pessoas centravam-se na vivência do acontecimento religioso e esqueciam tudo o resto. Com o tempo, percebeu-se que talvez fosse um pouco exagerado. Criou-se então o hábito de comer uma refeição antes ou depois da missa da vigília, para «consolar» um pouco. Assim nasceu, talvez, a consoada, de «consolata», consolo. Em Portugal come-se sempre o polvo (talvez influência galega) e o bacalhau. No dia de Natal, comem-se carnes, nomeadamente o peru ou o capão, ou até o cabrito. O Presépio (do hebraico, manjedoura, estábulo) é uma reconstituição do cenário em que terá nascido Jesus. O primeiro a fazê-lo terá sido S. Francisco de Assis, em 1223. O costume do pinheiro é mais enigmático. O seu uso talvez se deva ao facto de ser uma árvore que não perde a cor e o vigor no Inverno. Assim sendo, simboliza a vida que não acaba. Jesus é a verdadeira árvore da vida eterna. Alguns não deixam de notar também a sua forma triangular, simbolizando assim a Santíssima Trindade. Na mesma linha vai o azevinho, que se mantém vigoroso durante muito tempo, simbolizando a vida eterna que Jesus Cristo é. As luzes de Natal são sinal de que Jesus é a luz do mundo, o sol da justiça e de que com o seu nascimento se iluminou o mundo. O hábito de dar prendas tem o seu possível fundamento no gesto dos reis magos. O bolo-rei simboliza as prendas que os magos deram a Jesus. O seu aspecto dourado simboliza o ouro, as frutas a mirra e o seu aroma o incenso. Segundo reza a lenda, os magos tiveram de fazer um bolo com uma fava para escolherem quem seria o primeiro a entregar os seus presentes. A quem calhasse a fava, teria esse direito. Beijar o menino no dia de Natal é sinal de reconhecimento e de adoração. Por fim, o bonacheirão pai natal, segundo se pensa, é uma réplica formatada pela Coca-Cola do bispo S. Nicolau, um bispo turco do século III, que teve grande apreço pelas crianças. Um bom natal para todos.

08.12.11

Num destes dias, depois de um agradável dia de caça, cheguei a casa tranquilamente. Após colocar tudo no seu devido lugar, procurei o meu telemóvel num bolso do colete de caça e népias, nem vê-lo. Vasculhei cuidadosamente toda a roupa que usei, assim como o jipe, nenhum rasto do telemóvel. Possivelmente, ao passar em alguma vegetação mais densa ou num qualquer salto mais ousado, sem que eu minimamente me apercebe-se, saltou-me do bolso. Mas onde? Experimentei com algum horror o que é ficar incontactável. E logo um padre, que a todo o momento pode ter uma urgência ou ter de tomar uma decisão.

Puxei atrás o filme do dia de caça. Vários poderiam ser os locais onde a perda poderia ter acontecido. Quanto mais pensava, quanto mais sentia a ansiedade a tomar conta de mim. O que me preocupava não era tanto o telemóvel, mas o cartão. Que chatice ter de mudar de número. Depois de minuciosamente analisar o dia, uma cena fixava a minha atenção: já o dia declinava, mandei um tiro a um coelho que se raspava ao dobrar de uma encosta. Após o visível insucesso do tiro, corri desesperadamente pela encosta acima, na esperança de ainda encontrar o coelho, numa parte queimada da encosta. Mais uma vez, népias. Viva o gesto do Zé-povinho! Tinha absoluta certeza de que, na minha sôfrega perseguição, perdi o telemóvel. Bem, já era noite, tomei a decisão de de manhãzinha ir à procura do meu contacto com o mundo.

Chegado à serra, para surpresa minha, senti-me confuso, talvez um pouco toldado pelo desespero. A mata era relativamente densa, os penedos eram muitos e eram visíveis algumas partes queimadas pela serra. Estava montado o cenário para procurar uma agulha no palheiro. Seja como for, defini alguns trilhos e comecei a procurar. Em vão. Nem sombra do telemóvel. Repeti. Nada. O pensamento de desistência, contra a minha moral, começava a impor-se. Decidi fazer uma última ronda mais lenta e aturada. Junto a uma carqueja, encontrei o invólucro do cartuxo que serviu para assustar (não foi outra coisa e desculpem o pecado de ter deixado o cartuxo vazio na serra) o coelho, naquele fim de tarde. Soou o sinal de alarme. Foi a partir dali que comecei a perseguição ao foragido. Rapidamente senti clareza na memória e comecei a palmilhar o mais que certo trajecto da perseguição. Não demorou muito, no meio de uma copiosa urze, encontrei o telemóvel. Ufa, que alívio! Não tinha chamadas perdidas, apenas exibia uma mensagem da operadora a propor novos serviços.

Como tenho o hábito de retirar sempre algo de bom do que vivo, não deixei de pensar em todo o enredo durante algumas horas. Abençoado cartuxo, que me salvou naquela manhã. Sem aquele sinal, a minha procura, possilmente, teria outro desfecho, bem mais desagradável. 

A nossa descoberta de Deus e a nossa relação com Deus é feita com e por sinais, que Deus vai colocando na nossa caminhada individual e comunitária. Como muito bem diz S. João, «a Deus nunca ninguém o viu» e não poderemos ver enquanto homens terrenos. Mas Deus não deixa de se revelar e não deixa de convidar, chamar e interpelar, só que o faz com sinais. Ao homem cabe encontrar e interpretar esses sinais e ir progredindo na confiança, na esperança e na comunhão, vivendo cada vez mais de Deus e para Deus. Dificilmente poderíamos abarcar a grandeza e beleza de Deus em meia dúzia de horas ou de Dias. Por isso, Deus serve-se da pedagogia dos sinais. Por intermédio destes, Deus dá tempo ao homem, deixa ir amadurecendo, dá tempo ao homem para ir aprendendo a amar e a entrar no mistério de Deus, age de forma que a liberdade humana não seja esmagada.

Que sinais Deus nos dá? Tantos. Desde logo a vida, cuja origem é um mistério, mas porque é mistério abre-me para Deus. A personalidade única e irrepetível de cada pessoa humana. A ordem da criação e a sua harmonia. Um coração sedento de vida e de eternidade. As muitas situações interpelantes do dia-a-dia da vida. Entre outros. No campo mais restrito da caminhada da fé, o Baptismo, a Eucaristia e todos os outros sacramentos, a Igreja em si mesma. A autenticidade da vida de um santo. A entrega de tantas pessoas que se empenham em elevar a vida do mundo. Os sinais dos tempos de cada tempo. E não esquecendo, claro, o grande sinal de Deus à humanidade: Jesus Cristo, Filho de Deus incarnado.

A vida é ir caminhando, lendo e aprofundando os sinais de Deus. Ser crente é isso mesmo: ver além de e para além de, sabendo descobrir o bafo de Deus na vida e na história, em ordem a uma plenitude. Não ser crente é viver a vida toda colado às aparências, querendo sempre provas de tudo, não se apercebendo que com Deus não se vive de provas, mas de sinais.

Uma das maiores tontices que muita gente apresenta para não acreditar em Deus é a constatação de «nunca o viu», nem há provas da sua existência. Ainda bem. No dia em que víssemos Deus olhos nos olhos, ficaríamos esmagados como homens. O que dá força e credibilidade à história da salvação é que Deus dá espaço ao homem, guarda distâncias, para que o homem seja homem e aprenda a ser pessoa humana com os outros. Até ao dia da «visão clara», quando formos semelhantes a Ele, Deus fala-nos por sinais.

Está a começar o tempo do advento na Igreja. É tempo para nos lembrar que temos de estar sempre atentos e vigilantes aos sinais de Deus, às suas muitas visitas à nossa vida e à vida do mundo. Infelizmente, o homem facilmente cede ao sono e ao comodismo: entrega-se ao mais fácil, passa a sua responsabilidade para os outros, refastela-se nos prazeres da vida, escraviza-se ao imediato do dia-a-dia, arrumando na gaveta os horizontes da vida. Mas não demorará muito a perceber que constrói uma vida vazia e pobre, porque onde Deus não está ou onde Deus não chega, dificilmente a vida pode ser mesmo vida. Saibamos neste advento abrir as portas da vida e do coração a este Deus, que nos quer ajudar a ser homens e mais do que homens, filhos autênticos, no seu próprio filho, feito homem, grande sinal de Deus a toda a humanidade.

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