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minhas notas

25.10.11

- O romance "O último segredo", de José Rodrigues dos Santos numa nota do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura


O romance de José Rodrigues dos Santos, intitulado “O último segredo”, é formalmente uma obra literária. Nesse sentido, a discussão sobre a sua qualidade literária cabe à crítica especializada e aos leitores. Mas como este romance do autor tem a pretensão de entrar, com um tom de intolerância desabrida, numa outra área, a história da formação da Bíblia por um lado, e a fiabilidade das verdades de Fé em que os católicos acreditam por outro, pensamos que pode ser útil aos leitores exigentes (sejam eles crentes ou não) esclarecer alguns pontos de arbitrariedade em que o dito romance incorre.

 

1. Em relação à formação da Bíblia e ao debate em torno aos manuscritos, José Rodrigues dos Santos propõe-se, com grande estrondo, arrombar uma porta que há muito está aberta. A questão não se coloca apenas com a Bíblia, mas genericamente com toda a Literatura Antiga: não tendo sido conservados os manuscritos que saíram das mãos dos autores torna-se necessário partir da avaliação das diversas cópias e versões posteriores para reconstruir aquilo que se crê estar mais próximo do texto original. Este problema coloca-se tanto para o Livro do Profeta Isaías, por exemplo, como para os poemas de Homero ou os Diálogos de Platão. Ora, como é que se faz o confronto dos diversos manuscritos e como se decide perante as diferenças que eles apresentam entre si? Há uma ciência que se chama Crítica Textual (Critica Textus, na designação latina) que avalia a fiabilidade dos manuscritos e estabelece os critérios objetivos que nos devem levar a preferir uma variante a outra. A Crítica Textual faz mais ainda: cria as chamadas “edições críticas”, isto é, a apresentação do texto reconstruído, mas com a indicação de todas as variantes existentes e a justificação para se ter escolhido uma em lugar de outra. O grau de certeza em relação às escolhas é diversificado e as próprias dúvidas vêm também assinaladas.

Tanto do texto bíblico do Antigo como do Novo Testamento há extraordinárias edições críticas, elaboradas de forma rigorosíssima do ponto de vista científico, e é sobre essas edições que o trabalho da hermenêutica bíblica se constrói. É impensável, por exemplo, para qualquer estudioso da Bíblia atrever-se a falar dela, como José Rodrigues dos Santos o faz, recorrendo a uma simples tradução. A quantidade de incorreções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte. Confunde datas e factos, promete o que não tem, fala do que não sabe.

 

2. Chesterton dizia, com o seu notável humor, que o problema de quem faz da descrença profissão não é deixar de acreditar em alguma coisa, mas passar a acreditar em demasiadas. Poderíamos dizer que é esse o caso do romance de José Rodrigues dos Santos. A nota a garantir que tudo é verdade, colocada estrategicamente à entrada do livro, seria já suficientemente elucidativa. De igual modo, o apontamento final do seu romance, onde arvora o método histórico-crítico como a única chave legítima e verdadeira para entender o texto bíblico. A validade do método de análise histórico-crítica da Bíblia é amplamente reconhecida pela Igreja Católica, como se pode ver no fundamental documento “A interpretação da Bíblia na Igreja Católica” (de 1993). Aí se recomenda o seguinte: «os exegetas católicos devem levar em séria consideração o caráter histórico da revelação bíblica. Pois os dois Testamentos exprimem em palavras humanas, que levam a marca do seu tempo, a revelação histórica que Deus fez… Consequentemente, os exegetas devem servir-se do método histórico-crítico». Mas o método histórico-crítico é insuficiente, como aliás todos os métodos, chamados a operar em complementaridade. Isso ficou dito, no século XX,  por pensadores da dimensão de Paul Ricoeur ou Gadamer. José Rodrigues dos Santos parece não saber o que é um teólogo, e dir-se-ia mesmo que desconhece a natureza hipotética (e nesse sentido científica) do trabalho teológico. O positivismo serôdio que levanta como bandeira fá-lo, por exemplo, chamar  “historiadores” aos teólogos que pretende promover, e apelide apressadamente de “obras apologéticas” as que o contrariam.

 

3. A nota final de José Rodrigues dos Santos esconde, porém, a chave do seu caso. Nela aparecem (mal) citados uma série de teólogos, mas o mais abundantemente referido, e o que efetivamente conta, é Bart D. Ehrman. Rodrigues dos Santos faz de Bart D.Ehrman o seu teleponto, a sua revelação. Comparar o seu  “Misquoting Jesus. The Story Behind who Changed the Bible and Why” com o “O Último segredo” é tarefa com resultados tão previsíveis que chega a ser deprimente. Ehrman é um dos coordenadores do Departamento de Estudos da Religião, da Universidade da Carolina do Norte, e um investigador de erudição inegável. Contudo, nos últimos anos, tem orientado as suas publicações a partir de uma tese radical, claramente ideológica, longe de ser reconhecida credível. Ehrman reduz o cristianismo das origens a uma imensa batalha pelo poder, que acaba por ser tomado, como seria de esperar, pela tendência mais forte e intolerante. E em nome desse combate pelo poder vale tudo: manobras políticas intermináveis, perseguições, fabricação de textos falsos… Essa luta é transportada para o interior do texto bíblico que, no dizer de Ehrman, está texto repleto de manipulações. O que os seus pares universitários perguntam a Ehrman, com perplexidade, é em que fontes textuais ele assenta as hipóteses extremadas que defende.

 

4. Resumindo: é lamentável que José Rodrigues dos Santos interrogue (e se interrogue) tão pouco. É lamentável que escreva centenas de páginas sobre um assunto tão complexo sem fazer ideia do que fala. O resultado é bastante penoso e desinteressante, como só podia ser: uma imitação requentada,  superficial e  maçuda. O que a verdadeira literatura faz é agredir a imitação para repropor a inteligência. O que José Rodrigues dos Santos faz é agredir a inteligência para que triunfe o pastiche. E assim vamos.

18.10.11

A aparição da televisão é um dos acontecimentos marcantes da idade contemporânea. A ela se devem grandes transformações. Ninguém duvida que é um instrumento poderosíssimo, cheio de virtualidades, de grande utilidade e eficácia. Como permite chegar a muita gente ao mesmo tempo, de forma rápida, pode desempenhar um papel importante na formação e educação das pessoas e na construção da sociedade. É notório que ela, hoje em dia, enforma consciências e comunica uma boa parte dos valores, que estão presentes na vida das pessoas. Ora, porque assim é, devia-se ter mais cuidado com o produto que se oferece ao público. Se na nossa vida, por norma, nos norteamos pelos valores mais sublimes e positivos e pelos princípios mais construtivos e edificantes, que mais nos dignificam e humanizam como pessoas humanas, devíamos ter o cuidado de formatar a produção televisiva pelos mesmos padrões.

De uma forma geral, a maioria dos programas, que fazem parte do cardápio que a televisão hoje nos oferece, é pobre e medíocre e assim o é porque a televisão está muito reduzida ao entretimento e à questionável ideia que temos de entretenimento. Nem os telejornais se salvam, com hora e meia de informação, abusando-se excessivamente do directo e da espetacularização dos acontecimentos. O lema é ir informando, entretendo. Tirando um ou outro telejornal e os documentários e um ou outro programa de qualidade, o que se oferece ao público é sempre a mesma papa: futebol, concursos, novelas e filmes, que já passaram não sei quantas vezes. Certamente que este tipo de produção teria de fazer parte da televisão, mas deve-se ir muito mais longe na forma e no conteúdo, e nós, cidadãos, devíamos ser mais exigentes e reclamar outros gostos e outra qualidade. Aliás, uma boa parte dos programas, na minha modesta opinião, são autêntica trampa cultural, lixo de 24 quilates, que outra utilidade não tem que nos fazer chafurdar na futilidade e aumentar a demência e a decrepidez mental e cultural.

Neste momento estão em exibição, ao serão, dois belos exemplos da lixeira televisiva: o peso pesado e a casa dos segredos. Não vejo a utilidade de um nem do outro, com a agravante de um ser degradante e outro uma completa nulidade, respectivamente. Fico espantado como é que ainda existem pessoas que se dispõem a participar nestes teatros mediáticos e nestas comédias sem graça. Ou melhor, espantado de todo até nem estarei, tendo em conta os valores balofos a que as pessoas se entregam, hoje em dia, como ser famoso a todo o custo, estar no centro das atenções e ganhar uns trocados fáceis, sem grande esforço, mandando-se à fava a dignidade e o respeito que se deve ter por si próprio.

Se o objectivo do peso pesado é contribuir para a educação alimentar e para a valorização do exercício físico, não é necessário expor à humilhação 14 obesos, sem pejo em escancarar as banhas diante das câmaras de televisão, mais não se contribuindo que para a chacota, a repulsa e a discriminação saloia a que os obesos são votados nesta sociedade, que se gaba de lutar contra as discriminações, e para o «fundamentalismo alimentar» que hoje impera na sociedade. Um bom nutricionista e um bom mestre em exercício físico, em trinta minutos diários, valiam muito mais do que ver 14 obesos a serem massacrados e a desabafarem narrativas deprimentes, um tanto ou quanto exageradas. Quanto ao programa a casa dos segredos, com o pretexto de se levar um segredo, o objectivo é sempre o mesmo: espiar cenas de sexo, namoricos efémeros, picardias e berrarias, cenas de exaltação e estupidez, fantochadas atrás de fantochadas, devidamente sugadas por uma apresentadora excitada e piegas. Que nulidade e que enfado! Segundo dizem os autores destas produções mirabolantes, «isto é que interessa à populaça». Honestamente, que fracos gostos andam por aí! Já estava profetizado há muito que os canais privados, mais tarde ou mais cedo, ficariam reféns da mediocridade e da pirosidade social, não olhando a meios para terem audiências. É um programa que retrata muito bem a pantominice, a bagunça de sentimentos e valores, a imaturidade humana e o retrocesso cultural, que se verificam na nossa sociedade. 

Ao invés desta escória televisiva, repare-se na qualidade do programa MasterChef, que passa na RTP 1, aos sábados à noite. Repare-se na qualidade, na competência, na elegância, no «tempero», no carácter instrutivo e na graciosidade que o programa tem. Na minha opinião, dos melhores programas que apareceram nas televisões, nos últimos anos. Um bom programa onde se aprende, se conhece, se ganha amor à nossa gastronomia e à nossa cultura. Um programa que nos transporta para o «charme» que a cozinha tem.

Se a televisão nos pode mudar a nós, também nós podemos mudar a televisão. Basta que elevemos os nossos padrões de exigência e façamos ver às chefias que estão à frente das televisões que é preciso uma televisão diferente, mais virada para a cultura e para a educação e a formação, sem deixar de propor algum entretenimento sadio. Uma televisão que não ajude a passar o tempo, sem mais nem menos, mas que nos faça sentir que o tempo que lhe dedicamos está bem empregue, contribuindo para o crescimento das pessoas e da sociedade. 

17.10.11

A conspiração da mentira e da morte na muito rendosa indústria do aborto

 

A muito puritana mulher do bispo anglicano de Worcester reagiu com indignação à hipótese evolucionista:

Descender dos macacos!? Que horror! Esperemos que não seja verdade mas, se for, pelo menos que não se saiba!

A reverendíssima dama teve uma reacção digna de uma avestruz: este animal, talvez um dos mais estúpidos do planeta, quando pressente um perigo, em vez de o enfrentar, enterra a cabeça na areia.

A julgar pelas novas práticas a seguir no atendimento das candidatas à interrupção voluntária da gravidez, parece que a Inspecção-Geral das Actividades de Saúde pretende que estas mulheres procedam do mesmo modo que a consorte episcopal e as avestruzes.

De facto, depois da inspecção realizada, no ano passado, a 22 estabelecimentos que realizam abortos, por opção da mulher, até às 10 semanas de gravidez, essa entidade oficial recomenda que os «objectos alusivos à infância, ou do foro religioso, sejam removidos dos gabinetes médicos e de apoio psicológico e social, onde é prestado atendimento a estas utentes». A retirada desses objectos é exigida na medida em que os mesmos, segundo o mesmo relatório, podem «interferir com a escolha das utentes».

Como poderia ser chocante para a candidata ao aborto saber a verdade, entende a dita Inspecção-Geral que se deve evitar tudo o que, de algum modo, possa revelar a verdadeira natureza do acto eufemísticamente designado como interrupção voluntária da gravidez. Como? Pois bem, a grávida não deve conhecer o resultado das ecografias, nem de qualquer outro exame médico que comprove a certeza científica da vida humana que em si gera. Também não deve saber que a «interrupção» da dita gravidez mais não é, na realidade, do que o extermínio desse ente, diminuto mas já portador de todas as características próprias do ser humano. Por isso, a sala em que for recebida a desesperada mãe não deve ter «objectos alusivos à infância, ou do foro religioso», porque a sua presença poderia coagir emocionalmente a grávida, coarctando a sua liberdade de pôr termo à vida do seu filho.

Bem vistas as coisas, as titulares do «direito» ao aborto nem sequer deveriam ser atendidas por pessoas, na medida em que estas mais não são, necessariamente, do que ex-crianças, que já foram portanto iguais ao ser que agora se pretende eliminar. Além do mais, se se trata de um competente e honesto profissional da saúde, como são quase todos os médicos e enfermeiros, não poderá negar a vida humana do embrião, nem o seu carácter pessoal, o que também pode ser perturbador para a infeliz mãe. Assim sendo, o atendimento de grávidas nesta situação deveria ser feito por máquinas de reposta automática, que ignorem a verdade que não convém e sejam cúmplices da mentira que interessa afirmar.

Entende-se que, nos gabinetes de atendimento médico e psicológico, é perniciosa a presença de tudo o que possa ser entendido como alusivo à «infância». Mas quem pode negar que, pela janela do consultório, se vejam bebés ao colo das suas mães, ou se oiça o inocente riso de uma criança?! Para evitar uma tal interferência, talvez seja de recomendar que as consultas tenham lugar em salas subterrâneas, hermeticamente fechadas e devidamente insonorizadas.

E, de que cor deveriam ser as paredes destas celas, se se interdita tudo o que seja, ou possa parecer, alusivo ao «foro religioso»? Brancas não, pois é a cor que vestem as noivas no dia em que casam pela Igreja, logo tem um claro sentido cristão. Azul é a cor do céu, portanto apela para o transcendente e, por isso, deve ser também rejeitado. Amarela é bandeira oficial do Vaticano, portanto também não é uma cor admissível. Encarnado é o sangue e, portanto, poderia parecer uma velada alusão ao carácter sangrento da interrupção voluntária da gravidez. Um cor quente e alegre também não se compadece com a natureza do acto a decidir em tal compartimento, uma vez que nenhuma insinuação cromática deve perturbar a triste e fria determinação de quem o Estado tão empenhadamente quer que aborte. Talvez só o preto se deva utilizar nessa câmara ardente, cega e surda, em que só, diante de uma máquina, a mulher poderá, finalmente, decidir «livremente» a interrupção voluntária da sua gravidez.

Num tempo em que o Estado se empenha em dar uma exaustiva informação sexual, que não educação, às crianças, não deixa de ser paradoxal esta aposta na manipulação das mulheres, principais vítimas desta afectada ignorância sobre o que a ciência afirma da vida em gestação e sobre as implicações éticas e psicológicas do acto de abortar. O poder público, ciente da natureza desse dramático desfecho, sabe que só uma mulher enganada e desamparada poderá chegar a uma tão trágica determinação. Pelos vistos, embora a Igreja tenha a fama de obscurantista, é o Estado quem tem o proveito, como responsável por esta conspiração da mentira e da morte na muito rendosa indústria do aborto.

Há dois mil anos, Jesus Cristo falou de alguém que é «homicida desde o princípio (…), mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44). Ele é o «príncipe deste mundo». Nem mais.

  P.Gonçalo Portocarrero de Almada, A Voz da Verdade, 16.10.2011

17.10.11

Numa cultura que se recusa a encarar [a doença e a morte] … Steve Jobs deixa um testemunho exemplar de sabedoria e humanidade

 

É estranho dizer-se de um homem que morre aos 56 anos que tenha tido três vidas. Mas é isso que apetece dizer quando se escuta o inspirador discurso que Steve Jobs fez em 2005, na entrega de diplomas da universidade de Stanford, e que hoje podemos perceber claramente como uma espécie de testamento. Jobs conta, então, três histórias, que correspondem a momentos-chave do seu percurso. A primeira descreve os seus difíceis começos e ele chama-lhe “ligar os pontos”. O arranque da vida não podia ser mais áspero. Entregue para a adoção assim que nasceu, uma adolescência hesitante, a entrada numa universidade que os pais não conseguiam pagar nem ele verdadeiramente suportava, a dureza de uma juventude feita de biscates, meio à deriva…Mas no meio disso, a aprendizagem pessoal do valor das coisas, a busca exigente daquilo que realmente gostava e aceitar pagar o preço, em dedicação e esforço. Ele conta, por exemplo, que escolheu frequentar minuciosamente um bizarro curso de caligrafia. Só dez anos mais tarde, quando inventou o revolucionário Macintosh, percebeu que esse conhecimento viria a ter uma aplicação preciosa. Como diz Steve Jobs, precisamos confiar que os pontos dispersos do nosso percurso se vão ligar e receber daí confiança para seguir um caminho diferente do previsto.

 

A segunda história é sobre o amor e a perda. Ele inventou com um amigo, na garagem da sua casa, um negócio que, em apenas uma década, passou a mover 2 biliões de dólares e 4000 empregados. E, precisamente, quando julgava ter alcançado o auge despedem-no. Impressionante é o modo como integra este golpe, depois de um primeiro atordoamento: «Decidi começar de novo. E isso deu-me liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida». A verdade é que ele se reinventa e volta à liderança da empresa da qual havia sido dispensado.

 

A terceira história é acerca da doença e da morte. E numa cultura que se recusa a encarar qualquer uma delas, Steve Jobs deixa um testemunho exemplar de sabedoria e humanidade: «A morte é muito provavelmente a melhor invenção da Vida…O nosso tempo é limitado então não o desperdicemos… Tenhamos a coragem de seguir o nosso coração». Por isso, a sua morte recente não nos obriga apenas a lembrar a revolução tecnológica que ele aproximou dos nossos quotidianos. Ela obriga-nos a arriscar “ligar os pontos” dentro de nós.

 

P. José Tolentino Mendonça, Agência Ecclesia, 11.10.2011

15.10.11

A recente viagem apostólica de Bento XVI à Alemanha foi seguramente muito importante para reavivar o fervor da fé e o amor à Igreja naquela nação tão importante na história do Ocidente, em grandes momentos da constituição do que hoje designamos como cultura e civilização cristã. Basta pensar-se na formação da Europa, com o Sacro Império Romano Germânico; na constituição dos Estados modernos, a partir da reforma protestante; e no pensamento filosófico e científico a partir do séc. XVIII especialmente. As grandes nações têm evidentemente momentos de luzes e momentos de sombras, e as sombras são correspondentes de certo modo às luzes. Isto acontece com a Alemanha e acontece igualmente com outras nações, inclusive com o nosso pequeno pais, que tem uma grande história atrás de si, e que o mesmo pontífice Bento XVI ainda muito recentemente veio recordar-nos, apelando a que como comunidade nacional e como pessoas cada um de nós faça um esforço de reconciliação com o passado, entregando-o na misericórdia de Deus, para que possamos viver o presente em paz e olhar para o futuro com esperança.

Não pude ainda ler todos os discursos que Bento XVI proferiu na Alemanha. Aqui gostaria de fazer eco ao que proferiu no Parlamento em Berlim, que considero verdadeiramente notável, pelo apelo que faz directamente aos alemães, mas também a todos os homens de boa vontade, para que sejam recuperados os verdadeiros fundamentos do Direito, como forma de coexistência pacífica entre todos os povos. Deste notável discurso, gostaria de sublinhar apenas dois pontos.

Em primeiro lugar, Bento XVI denuncia os limites de uma concepção positivista da razão e da natureza e, por conseguinte, do Direito, que se tem imposto unilateralmente no Ocidente, e considera que se trata aqui de uma questão urgentíssima, que motivou, assim me parece concluir, não só este discurso, mas também, de certo modo, esta sua viagem apostólica, tendo em conta precisamente a influencia que a Alemanha tem no discernimento intelectual das grandes questões filosóficas e existenciais do homem contemporâneo. A verdade, do homem e da natureza, está muito além de que se possa verificar e experimentar, porque aquilo que facilmente se demonstra não tem valor ou tem pouco valor. A crise actual tem raízes mais fundas, que mergulham na redução positivista da razão e da natureza e, por conseguinte, do Direito.

É neste contexto que Bento XVI aborda a questão da natureza do ponto de vista da preocupação ecológica pelo ambiente. Mas chama a atenção para a urgência de uma nova ecologia que tenha em conta o homem, portanto, de uma ecologia humana, pois o que hoje está em risco é mais do que a sobrevivência de muitas espécies: o risco maior do nosso tempo é a sobrevivência do homem, que corre o risco real e autêntico de, na super-abundância dos bens de produção, não viver verdadeiramente, mas simplesmente vegetar.

Bento XVI está consciente de que, para a superação de uma visão meramente positivista da razão e da natureza, do homem, em última análise, não basta a determinação humana; é algo que é necessário pedir como graça e como dom. Por isso ele enquadra o seu discurso com a oração de Salomão, no dia da sua entronização como rei de Israel (cf. 1Rs 3,9). Quando Deus lhe pergunta o que deseja naquele dia, o jovem rei não pede nem riqueza nem poder, mas um coração sábio – um coração capaz de ouvir, como diz o Papa Bento XVI na sua muito própria expressão alemã -, para que seja capaz de ser justo, de distinguir o bem e o mal.

É precisamente esta sabedoria que nos faz falta hoje e que, seguindo o apelo do Papa, cada um de nós deve implorar de Deus a graça todos os dias.

José Jacinto Ferreira de Farias, scj

12.10.11

Começou um novo ano escolar. Com entusiasmos renovados e expectativas embebidas de optimismo, professores e alunos deitam mãos à obra e tornam-se companheiros de jornada. Para que o ano corra bem, é preciso reunir meios, que começam a ser menos, pelos vistos, é preciso conjugar o esforço de todos para se atingirem as metas traçadas, numa harmoniosa interacção entre todos os agentes envolvidos, mas, sobretudo, é preciso (e quantas vezes nos esquecemos disto) adoptar uma boa conduta e construir relações maduras e saudáveis entre todos. Sem qualquer snobismo de moralista, deixo aqui um conjunto de valores, que, na minha modesta opinião, devem ser observados e vividos na escola, no conteúdo e na forma, para que esta cumpra a sua missão e os seus objectivos: a aquisição de saber e formação dos alunos e a realização dos professores. Certamente, não proponho nenhuma novidade, mas recuperar o essencial é sempre bom.

Humildade. A escola é um espaço onde todos devem entrar com a vontade de aprender, abertos a uma lógica de dar e receber. Ninguém é assim tão sábio, que não tenha algo a aprender e ninguém é assim tão ignorante, que não tenha algo a ensinar. Evitar, por isso, a fanfarronice oca e a sobranceria arrogante. Saber ouvir a todos é fundamental, não se desperdiçando nenhuma centelha de sabedoria.

Respeito. Cada pessoa que faz parte da escola, seja ela quem for, porque é pessoa, merece ser respeitada. Respeito que se estende à maneira de ser, às convicções e aos valores de cada uma. É lamentável que se diferencie as pessoas pela sua origem ou pelas suas posses. Dificilmente se pode ensinar algo a alguém que não se sente amado ou que se sente diminuído aos olhos dos outros. Há que identificar preconceitos e ultrapassá-los e estabelecer relações de confiança e respeito mútuo, enriquecidas pela cortesia e boa educação.  

Organização. Uma escola só funciona bem com ordem e organização. Que cada membro que a constitui saiba exactamente o que tem a fazer, onde e como. A interacção entre os diferentes sectores deve ser clara e pragmática e todos devem estar devidamente informados dos processos e dos mecanismos que têm ao seu dispor na actividade escolar.

Competência. Como dizia há pouco tempo o Ministro da Educação, Nuno Crato, «ninguém ensina bem o que não sabe bem». Por isso, os professores tenham o cuidado de preparar bem as matérias, adoptando um discurso simples e claro, e tenham o cuidado de preparar bem as aulas. O improviso é sempre mau conselheiro. Fazer um esforço por adoptar um conjunto de métodos e estratégias diversificado, que vá de encontro aos ritmos e às necessidades dos alunos. Estes procurem valorizar o estudo diário e não só encima dos exames, e procurem ser criativos e críticos na assimilação dos conhecimentos.

Exigência. Não há bom ensino sem exigência. É decisivo lutar contra a preguiça, o facilitismo e o chico-espertismo. Impor o rigor nos comportamentos, nos objectivos e nos exames. Ajudar a interiorizar os valores do esforço, do sacrifício e da disciplina. Esta é fundamental para quem quer servir os outros. Sem disciplina não há responsabilidade. Em primeiro lugar, cada um procure ser exigente consigo próprio, tentando dar o seu melhor, combatendo a «ética minimalista», que só se fica pelos mínimos.  

Solidariedade. Se é certo que se deve impor a exigência e o rigor na escola, também é certo que não se deve cair na intransigência e no autoritarismo. As pessoas falham e erram e são condicionadas por muitos factores. Ao rigor e à exigência é necessário unir a compreensão e a entreajuda. O professor, em primeiro lugar, é o mestre, mas também é o amigo, que, ultrapassando os formalismos, leva a peito as dificuldades e as necessidades dos seus alunos e caminha com eles. Alguma competição é saudável, mas a escola não deve ser um espaço de competição pura e dura, tanto entre professores, como entre alunos. A vida não é abrir caminho, empurrando os outros para a valeta, mas é abrir um caminho onde todos caminhem.

Amor ao saber. A escola é o espaço onde, primeiro que tudo, se ensina e se aprende. Que fique bem claro nas acções e nas actividades que a sabedoria e o saber estão no centro. Promover o gosto por saber sempre cada vez mais, não só no sentido pragmático e utilitarista, para ser isto ou aquilo, mas para que se possa crescer como pessoa e melhor servir os outros. Lutar contra a ideia de se usar o saber para mais tarde se ganhar dinheiro, mas ganhar amor ao saber pelo saber e para se ser mais.

Amor à verdade. A escola deve ensinar o caudal de conhecimento que lhe depositam nas mãos, mas deve também provocar a reflexão e a crítica desse mesmo conhecimento, em total abertura a todas as correntes de pensamento, não deixando de ter sempre presente, no seu horizonte, as perguntas fundamentais da vida. Mais do que ensinar meias verdades, importa ser peregrino da grande verdade acerca da vida e da pessoa humana. A escola deve ser airosa e desempoeirada, aberta, dialogante, crítica das frases feitas e da mentalidade dominante, do pensamento instalado e das ideias cómodas.

Para finalizar acrescentaria a Alegria. Todos sabemos que o entusiasmo inicial esmorece rápido e que o cansaço e algum desencanto começam a marcar pontos. Mas o que se vai buscar à escola é sempre enriquecedor. Por isso, há que fazer um esforço por ser alegre e ser comunicador de optimismo e de energia positiva. E também sei que escrever isto é mais fácil do que colocá-lo em prática. Faltam por isso mais dois valores, ou se quiserem, duas virtudes: a paciência e a perseverança. Um bom ano escolar para todos.

01.10.11

A Igreja tem mundo a mais e conversão a menos.

A frase caiu que nem uma bomba, durante a visita do Papa à Alemanha: com o passar dos anos, a fé dá lugar à rotina, a estrutura esmaga o espírito, uma certa “fachada cristã” bloqueia o acesso à bondade de Deus, os critérios mundanos tomam conta do coração, os fardos do poder e das coisas materiais distorcem as verdadeiras prioridades... E, assim, gradualmente, a Igreja cai na tentação de se achar auto-suficiente.
Mas a Igreja sem Deus não existe. Por isso, precisa de se converter.
Só que, como o próprio Bento XVI também alertou, a Igreja não é só o Papa, os bispos e os pastores. A Igreja somos todos nós. Por isso, somos todos nós que temos mundo a mais e conversão a menos!

 

Aura Miguel, Renascença, 30.09.2011

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