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minhas notas

17.02.11

 

Já lá vão as eleições presidenciais, mas há alguns dados que merecem alguma reflexão. Como muitos portugueses o disseram, não foi uma grande campanha. Intelectualmente, foi muito pobre. Digam-me uma ideia ou sugestão que lhes ficou na memória? Nada ou quase nada. Mais uma poeirada que o vento levou. O debate político em Portugal anda pelas ruas da amargura. Como não se têm ideias e projectos, usa-se e abusa-se do ataque pessoal para desacreditar o outro e o enxovalhar diante dos outros. Em certos momentos meteu dó. De uma campanha política espera-se um sério debate de ideias e de soluções para os problemas das pessoas e não tristes sessões de apedrejamento público. Até porque na política não há virgens puras.

Num momento tão delicado como o que o país vive, em que há falta de esperança e de fé no futuro, boa parte dos políticos portugueses entregou-se a ajustes de contas e às velhas intrigas partidárias e jogos de poder a que nos tem habituado nos últimos anos. Falta responsabilidade, seriedade, elevação e verticalidade a muitos políticos em Portugal, que, por vezes, mais não parecem uns caceteiros formatados para guerrilhas fúteis. Lembro-me de uma frase do escritor espanhol José Luis Sampedro que aqui há uns tempos afirmou, mais ou menos com estas palavras, que «socialmente, existe muito ruído e estrépito, fazem falta homens com ideias, homens que iluminem». Ou outra da historiadora Irene Pimentel que disse «as palavras vazias e a falta de qualquer ideia foram tão grandes que pergunto apenas se os candidatos se olham ao espelho». De alguma forma, todos nós portugueses temos culpa. Nos últimos anos, deixámos que os partidos políticos, alicerçantes e fundamentais para a vitalidade da democracia, onde devem imperar a reflexão e o debate dos problemas do país, fossem tomados por gente de pouco nível e pelo mundo dos interesses. Os resultados estão à vista. Esperemos pelas próximas campanhas.

O dado de maior surpresa nesta campanha, se é que foi surpresa, foi a abstenção, que atingiu níveis nunca antes vistos e imaginados na nossa democracia. O nosso Concelho não fugiu à regra. Todas as razões e mais algumas foram apontadas para uma percentagem tão elevada. Mas, sinceramente, nenhuma me convence. É triste e lamentável a abstenção que se verificou. Posso compreender que as pessoas andem descontentes com os políticos e a vida política a que assistem, pouco focada nos seus problemas reais, como atrás referi e como novos estudos o atestam (Projecto Farol, noventa por cento dos portugueses não confiam nos políticos), mas a melhor forma de a renovar não é ficar em casa, mas ir votar. Se a nossa democracia está como está, não é a tratar mal tudo e todos nas esquinas, dizendo injustamente que «os políticos não passam de um bando de corruptos, que se servem do poder para se governarem», que a vamos melhorar, mas exercendo o direito e o dever de votar, expulsando do poder aqueles que não sabem servir o povo. Criticar os outros e depois colocar-se de fora, não ir votando, como que lançando a pedra e depois escondendo a mão, é inadmissível. Não sou nada adepto do discurso antipolíticos e antisistema que por aí anda, que, por exemplo, Fernando Nobre e José Manuel Coelho exploraram quanto puderam nesta campanha (é de ficar de boca aberta como é que este candidato teve quase duzentos mil votos, chafurdando no populismo mais barato que por aí anda, com muita chocarrice e chalaça à mistura). A política é a arte do possível. Nenhum político tem uma varinha mágica para resolver todos os problemas. E se é certo que merecem alguns reparos, também é certo que muitos já fizeram muito por Portugal. Muitos levam uma vida abnegada e austera para servirem a causa pública. Os políticos, a quem estamos de língua afiada para lançar impropérios de toda a espécie, são os homens e mulheres que possibilitaram a entrada de Portugal na União Europeia e descongelaram um bom número de fundos comunitários, que melhoraram a vida de muitos portugueses. Foram os «malandros» dos políticos que melhoraram a saúde, a educação e o bem-estar de muitas pessoas, que não passavam de uma miragem para muita gente antes do 25 de Abril, e se, hoje em dia, muita gente tem um emprego, uma reforma e um nível de vida razoável, é porque bons políticos têm exercido bem a sua missão. Claro que numa caminhada destas aparecem erros e políticos menos competentes, e até muitos oportunistas. Mas até fazer deles todos um bando de espertalhões, medindo-os todos pela mesma medida, é uma ingratidão que o povo não deve cometer e não votar com base neste argumento saloio é uma injustiça. Já é tempo é de nós, cidadãos, deixarmos de culpar os políticos por tudo e por nada e percebermos que também nós temos muita culpa no estado das coisas, habituados a viver à sombra do Estado e da iniciativa dos outros, sem coragem para o risco e o emprendorismo.

A causa para a abstenção, na minha opinião, é mais profunda. Vivemos numa sociedade sem mística colectiva e sem consciência colectiva. As pessoas só vivem em função do seu interesse e bem-estar individual e desde que estes estejam assegurados, borrifam-se para o resto. As pessoas deviam ter consciência de que ir votar não é apenas ir exercer a simpatia por alguém ou defender os interesses de um partido, mas é traçar o destino de toda uma nação, partilhando as suas injustiças e desigualdades e as suas esperanças e anseios. É promover a mudança e o bem-estar de todos. É lutar pelos valores nos quais se acredita. É ter amor ao seu país e à sua cultura. É ter amor aos seus concidadãos. Se se tivesse consciência disto, perceberíamos que não votar é quase não ser digno do país onde se vive e da democracia que se conquistou.

A indiferença das pessoas é a maior ameaça à democracia. Estamos a entrar num estado de menoridade democrática. Sem cidadãos activos e participativos, sem cidadãos sérios e responsáveis, que não se contentam com o seu analfabetismo e se capacitam para o confronto e debate de ideias, não há democracia. Reparemos bem nisto: se um qualquer ditador estivesse no poder e não nos deixasse votar, não faltariam revoltosos e conspiradores a organizarem revoltas em nome do direito do povo a votar e a escolher os seus governantes e o seu destino. Vivemos em liberdade e podemos fazê-lo, não queremos saber. O Povo não é quem mais ordena, porque nem sempre tem razão.

02.02.11

 

Olá, caros jovens. Em primeiro lugar, quero dizer-vos que tenho o maior apreço por vós. Estais numa idade em que se sente o sangue na guelra e uma vontade enorme de sonhar e de mudar muita coisa. Sois o futuro de Portugal, e, porque não dizê-lo, da Igreja. O mundo e a Igreja depositam grandes esperanças em vós. Tenho a maior convicção de que ides deixar uma marca indelével na sociedade em que estais a viver. Contudo, acho que é preciso corrigir algumas atitudes e comportamentos. Não estais a escolher os melhores caminhos para deixardes a vossa marca no tempo em que estais a viver. Vejo-vos demasiado resignados e conformados. Mas, sobretudo, não vos vejo com aquele espírito de rebeldia saudável e determinação para tomardes conta do mundo. Ser jovem é ser motor da mudança e do melhoramento do mundo. Espero muito mais de vós.

Vós tendes razão em alguns aspectos. Não consigo compreender porque é que se dão quinhentos euros a um jovem que está a começar a vida e se dão quatro mil euros ou mais a pessoas que se reformaram. Então não devia ser ao contrário? Não deveríamos apoiar quem está a começar a organizar a sua vida? Que necessidade tem um reformado de ter quatro mil euros? Não ponho em causa a justa reforma para quem trabalhou e deu muito à sociedade, não entendo é a disparidade de números. Em Portugal, só se dá dinheiro às pessoas quando já não têm ideias e saúde. Assim como também não consigo compreender a não conciliação entre a vida laboral e a vida familiar. Como é que se pode pedir a um casal jovem que tenha filhos, se a esposa trabalha das nove da manhã até às dezoito ou dezanove da tarde? É urgente repensar nisto. Somos o nono país mais velho do mundo. Não se tem dado o devido apoio à família, só se pensando em dinheiro e trabalho. Não há progresso e desenvolvimento sem pessoas. Também não dá para compreender como é que um país que está em crise não consegue ter uma estratégia de emprego para tantos jovens licenciados. O imobilismo das corporações está a fazer muito mal ao país.

Não andeis tristes, caros jovens, porque vos enganaram ou iludiram. Todas as gerações têm desilusões. A geração do 25 de Abril, que heroicamente conquistou a liberdade e a democracia para Portugal e prometeu um futuro risonho para a nação portuguesa, conquista que jamais devemos esquecer, vive comodamente. Agiu em nome de grandes ideais e projectos para Portugal, mas rapidamente os arrumou numa gaveta. Assim que o dinheiro cresceu nos bolsos e tomaram conta das hierarquias do Estado, mandaram os ideais de Abril à fava. Só se lembram deles quando os amigos ou os seus interesses estão em causa. Todos os anos cantam os ideais de Abril e as suas conquistas, mas é mais para lembrar o passado do que para mudar o futuro. Dizem que é nos momentos de crise que se vêem os homens. No meio dos discursos pessimistas e negativistas que por aí crescem como ervas daninhas, onde é que anda a geração de Abril e os seus filhos?

Da vossa parte, caros jovens, tenho escutado muitos protestos, alguns, confesso, demasiado infantis. Protestar faz sempre falta. Ajuda a corrigir injustiças e abusos. Mas muitos protestos, que vou escutando da vossa parte, são mais sinal de uma preguiça escondida, que quer que lhe façam a papinha toda, do que de uma vontade real de ser agente de transformação e factor de dinamismo. O mundo que tendes é um desafio. Há que encará-lo de frente. A vida, ao contrário do que pensais ou vos fizeram pensar, não tem que ser uma procissão de facilidades. Já é tempo de abandonardes um conceito infantil da vida, julgando que a vida é sempre diversão e recreio, e assimilardes um conceito mais sério e responsável. Temos que nos fazer à vida. Já dizem por aí que há uma geração do ‘nem nem’, nem estudam, nem trabalham. Será mesmo verdade? No estudar, poderão existir alguns obstáculos, que não deveriam existir (não esqueçamos que, mesmo assim, depois do 25 de Abril muita gente teve acesso ao ensino e que muita gente não estudou porque não quis). Mas no trabalhar não estou de acordo. Quando em Portugal se fala de emprego e desemprego, nem sempre fala de trabalho. Fala-se de ter um ordenado razoável ao fim do mês, sem grande esforço despendido. Empregos destes faltarão sempre, trabalho não. Para quem tem mesmo vontade de trabalhar, talvez não falte trabalho. Não faltam ofícios dignos – nem todos têm que ser doutores – onde podeis ganhar a vida honestamente. Quantas vezes não temos que ir buscar um picheleiro ou um carpinteiro a cascos de rolha? Não faltam áreas na sociedade onde podeis pôr a render os vossos talentos. Além do mais, perdeu-se a humildade. Alguns dizem que certos trabalhos não são para eles. Então não são para nós e são para os outros? Todo o trabalho é digno. Acima de tudo, caros jovens, gostaria de vos ver a protestar porque os jovens desperdiçam dinheiro e horas em diversão que não lhes acrescenta nada à vida e há toda uma indústria montada que vive à custa dos vossos vícios, não se preocupando minimamente com a vossa saúde. Gostaria de vos ver protestar porque vedes um bom número de amigos e amigas a caírem nas malhas da droga e vos limitais a encolher os ombros com lamentos. Gostaria de vos ver protestar porque vos queixais de não poderdes ganhar dinheiro, mas não chorais o dinheiro que gastais em jipes e motas para desportos radicais. Gostaria de vos ver protestar contra os contratos e ordenados milionários que jovens como vós têm e que vós de alguma forma alimentais como fãs acríticos e anestesiados, em vez de invejardes o seu estilo de vida e vos lamentardes por não engrossardes as fileiras dos ‘sortudos’. Gostaria de vos ver combater o sucesso rápido e fácil, sem formação, empenho, mérito e trabalho, que programas televisivos vos propõem, mais não sendo que o caminho mais fácil para a desilusão. Gostaria de vos ver trocar as muitas horas nocturnas que passais em bares e discotecas por actividades úteis e construtivas para uma sociedade melhor. Não faltam instituições e acções sociais onde podeis dar um contributo fecundo. Viver também é pensar nos outros.

Os vossos pais, caros jovens, têm alguma culpa nisto tudo. Noutros tempos, os pais diziam aos filhos ‘ou estudas ou vais trabalhar’. Agora não. Parece que quem manda em casa são os filhos, que são os coitadinhos a quem falta tudo (não falta nada). Com a preocupação de vos darem um ideal de vida que eles não tiveram, mimam-vos com tudo e mais alguma coisa, tornando-vos menos autónomos e responsáveis, e, sobretudo, mais amorfos e abúlicos.

E a vossa fé? Onde é que anda a vossa fé? O que fizestes do vosso crisma? Não me digais que reduzis a vida a ganhar e a gastar dinheiro? Onde é que está a busca de um ideal, que é próprio da juventude? Onde é que está a vontade de sonhar e voar mais alto que é próprio dos jovens?

Ainda estais a tempo de deixar a vossa marca. Mas há algumas atitudes que deveis melhorar: mais audácia e menos conformismo, mais sonho e menos comodismo, mais determinação e menos protesto, mais afoiteza e menos passividade, mais arrojo e menos resignação, mais utopia e menos pragmatismo, mais persistência e menos indiferença, mais responsabilidade e menos desculpabilização.

PS: Já anda por aí espalhada a ‘Agenda Europa’. Uma das novidades deste ano é a referência às festas religiosas das principais religiões presentes na Europa. Mas, pasme-se: as festas do cristianismo não constam. Sem palavras.

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