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minhas notas

23.07.10

De tempos a tempos, vamos sendo surpreendidos por actos de violência no nosso Concelho de Montalegre, com final trágico, que nada nos honram. Um dos últimos que aconteceu deixou-nos a todos em estado de choque. Não só porque morreram três pessoas, mas também pela crueldade e barbaridade de que se revestiu. Todos devemos empreender uma séria reflexão sobre os sentimentos que cultivamos e na forma como resolvemos os problemas entre nós, abrindo-nos à conversão. Escrevo estas palavras no maior respeito e consideração pelas famílias envolvidas, que sei que estão a sofrer muito, não reflectindo sobre as pessoas em si, mas sobre os actos.

Em primeiro lugar, é tempo de uma vez por todas dizermos não à violência. Esta nunca resolve nada e é sempre geradora de divisão e de sofrimento. Algumas das nossas aldeias de Barroso têm uma tradição de violência que só nos deve fazer corar de vergonha. Dá a ideia de que não sabemos ser pessoas e de que somos diminuídos em inteligência. As pessoas, de uma vez por todas, têm de aprender a resolver os problemas com boa vontade e sensatez, sem ceder a ódios ou orgulhos, controlando os seus impulsos. Os entendimentos só não acontecem porque as pessoas não querem. Há que combater uma certa cultura de agressão fácil e de vingança que está instalada em muitas das nossas aldeias, ainda para mais quando as nossas aldeias estão a ficar com menos população e a entreajuda entre todos é fundamental.

Em segundo lugar, todos nos devemos questionar se, nestes casos, fazemos tudo que está ao nosso alcance (embora acredite que alguns o façam). Os acontecimentos são do conhecimento geral das aldeias. Infelizmente, limitamo-nos, muitas vezes, a ter uma atitude bem portuguesa: lamentamos o que se passa, mas não fazemos nada. Às vezes até dá a ideia de que cultivamos o desejo doentio de ser espectadores destes acontecimentos. Diante de diferendos ou de questões de agressão e de violência, não se deve tomar partido por ninguém, mas contribuir para a resolução do problema, com equilíbrio. É meu dever, como cidadão responsável e, sobretudo, como cristão, contribuir para que haja uma paz verdadeira entre todos, apontando sempre caminhos de diálogo, perdão e reconciliação. Diante da violência ou da injustiça nunca se pode ficar indiferente.

Em terceiro lugar, não deixemos de questionar a nossa vivência cristã. Estes acontecimentos ocorrem entre cristãos, que têm prática cristã. É um escândalo que estas coisas aconteçam entre cristãos, pois negam tudo o que o cristianismo defende e professa. Significa isto que ainda temos muito caminho a fazer na vivência da nossa fé. Não deixemos de nos questionar porque vamos à Missa, qual a razão de ser das nossas devoções e das nossas festas e qual é o motivo da nossa oração. Não andaremos a louvar a Deus com os lábios, mas o nosso coração anda longe de Deus, como diz uma passagem da Bíblia? Mais uma vez se constata que somos muito religiosos, mas pouco cristãos.  A fé não tem nenhum sentido se está reduzida a dizer sim a um conjunto de verdades e de práticas sem ligação à vida. É uma hipocrisia descarada. Ser cristão é corresponder ao amor de Deus, identificando-se com Cristo nos sentimentos, valores e princípios, atitudes e comportamentos. É tempo de percebermos que a fé cristã é o seguimento de uma pessoa, que é Jesus Cristo, e não apenas rezar pelos mortos ou pedir favores aos santos, como parece que muitos a vêm. Como é que aqueles que não gostam da Igreja ou não crêem em Deus olharão para nós agora?

Em quarto lugar, lembremo-nos que a vida humana é sagrada. O quinto mandamento da lei de Deus, bem no centro dos mandamentos, vem-nos lembrar isso. A vida humana é Deus que a dá e que a tira. A nós cabe-nos valorizar e administrar bem a vida, a nossa e das outros, promovendo uma verdadeira cultura da vida, respeitando-se a vida e a dignidade de todos, como Jesus Cristo fez. Ninguém tem o direito de tirar a vida a ninguém. Não são raras as vezes em que se ouve falar de ameaças e vontades de pôr fim à vida de alguém, quase sempre devido a ninharias ou a situações que com alguma ponderação se poderiam ultrapassar. É gravíssimo que assim se pense e se fale de forma tão desrespeitadora em relação à vida humana, como se ela não valesse um tostão. Será que temos consciência do valor inestimável da vida?

Seja como for, as mortes aconteceram. Saibamos honrar os mortos, não apenas desabafando lamentações, mas fazendo um esforço por crescermos como pessoas e pactuando com os valores que verdadeiramente nos dignificam.

01.07.10

No dia 18 de Junho, faleceu José Saramago, o único Nobel da literatura de língua portuguesa. Sem dúvida, a cultura e a língua portuguesas ficaram mais pobres. Deixou-nos o escritor que mais projectou a língua portuguesa nos últimos anos e que ofereceu boas horas de leitura a muitos leitores por todos os cantos do mundo, com livros, alguns deles, excelentes. Goste-se ou não do seu estilo literário e do seu imaginário, José Saramago era um exímio criador de imagens e de alegorias, com que procurava reflectir a complexidade e a densidade da realidade e da vida. Sendo um escritor tardio, ainda chegou a tempo de ser um inovador dentro da língua portuguesa, desafiando tradicionalismos literários e uma velha concepção literária acomodada, mostrando-nos que o pensamento e as palavras gostam de um mundo libertino, porque a realidade e as emoções são sempre novas.

Desde há uns anos para cá que vinha a prestar alguma atenção à sua produção literária e às suas intervenções. Destaco dois ou três aspectos da sua personalidade e do seu carácter, legado que também nos deixa, que sempre gostei de ver nele. Em primeiro lugar, José Saramago era um homem que pensava pela sua própria cabeça. Sempre fiel a si mesmo, não se deixava arrastar facilmente por aquilo que não compreendia e que não aceitava, mesmo dentro do seu partido, o Partido Comunista Português. Não deixava que nada escapasse ao crivo da coerência e da razoabilidade. Detentor de um apurado espírito crítico e de uma insatisfação saudável e, sobretudo, amante do pensamento e da filosofia, continuamente questionava a realidade e as concepções que circundavam à sua volta. É de louvar esta qualidade. Vivemos tempos em que as pessoas estão a perder a consciência crítica, apenas apanágio de uma minoria, aceitando-se quase tudo na ordem do pensamento e dos comportamentos de forma acrítica, ditado por uma maioria e veiculado pelos meios de comunicação social. Somos verdadeiramente livres quando sabemos questionar a realidade à nossa volta e apreendemos por nós mesmos a caminhar com autonomia, com ideias próprias, sem medo do confronto e da convivência com ideias diferentes e contrárias.

Em segundo lugar e no seguimento do ponto anterior, José Saramago era um homem de convicções, identificando-se, em quase tudo, com a visão antropológica e histórica e com a organização social da ideologia comunista. Defendeu-a até ao fim da sua vida. Pena que não tivesse reconhecido de forma clara os seus fracassos e incongruências e, sobretudo, as suas barbaridades.  Seja como for, manteve-se fiel àquilo em que acreditava. Ser homem é ter convicções e lutar por elas ao longo da vida. Hoje em dia, na esfera social, impera um pensamento débil e frágil, para se fugir a todo o custo do sacrifício e não se questionar o hedonismo e o comodismo da vida. Deixámos cair os grandes ideais que davam sentido e realização à vida humana. Acho que é tempo de os reabilitar, com uma nova configuração. No ser humano há um anseio profundo de superação e de luta por bens maiores, em ordem a uma excelência e a uma perfeição, que os ideais, de alguma forma, preenchem.

Em terceiro lugar, José Saramago era ateu convicto, com alguns tiques de crente inquieto. A questão de Deus agudizou-se mais na sua vida depois da queda do muro de Berlim, caindo definitivamente por terra a crença no comunismo e na sua concretização histórica. Mais uma ideologia sem Deus que mostrava a sua insuficiência e imperfeição. Inexplicavelmente, muitos comunistas, entre eles José Saramago, começaram a culpar Deus por não ter feito aquilo que eles pensavam que poderiam fazer com a instauração do comunismo. Deus passou a ser assim o alvo fácil para apontar todas as culpas e todos os males e o interlocutor silencioso a quem dirigir todos os desabafos amargos e corrosivos, quando o grande culpado é o pecado humano e as estruturas desumanas e injustas que ele criou. Mas considerações comunistas à parte, o que quero sublinhar é que, pelo facto de ter sido um ateu activo e empedernido, dotado de uma descrença militante e não de conveniência, José Saramago deu um grande contributo aos crentes e à religião, porque contribuiu para a consciencialização de concepções erradas dentro do pensamento religioso e ajudou a identificar incongruências dentro das religiões e da vivência religiosa. Em vários momentos, envolveu-se em polémicas com a Igreja católica, algumas delas injustificáveis e fúteis é verdade, mostrando um Saramago acintoso, cheio de resistências acumuladas ao longo dos últimos anos, mas que contribuíram para a Igreja se dar conta que tem de reformular o seu discurso e o seu ensino, purificando-os dos seus exageros e desconexões, obedecendo à mais elementar racionalidade. Fazem mais falta à Igreja os bons ateus do que os crentes amorfos e acríticos. Não nos esqueçamos que muitas pessoas são ateias devido à forma como as religiões apresentam Deus e o testemunham. E José Saramago despertou-nos para isso.

Ele era ateu. Em parte também o devemos ser. O deus que os homens criaram e que gostamos de fazer à nossa maneira não existe. Nesse deus não devemos acreditar. Deus está muito para além dos nossos conceitos e ideias. Quanto ao Deus de Jesus Cristo, aí a história é outra. Descobre-se melhor pelo coração do que pela razão. Por esta também lá chegamos, se formos honestos. Vale a pena reflectir sobre o que Ele disse, numa entrevista ao Jornal Expresso a 11 de Outubro de 2008: «Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma».

01.07.10

O Senhor Presidente da República, no dia 17 de Maio, fez uma declaração ao país, justificando a promulgação da melindrosa e fracturante lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, não deixando, ao mesmo tempo, de mandar alguns recados aos partidos políticos com assento parlamentar sobre a solução encontrada. Depois de ser uma presença assídua em quase todos os eventos e encontros que o Papa Bento XVI realizou em Portugal, onde não se inibiu de mostrar o seu catolicismo sem qualquer complexo, o que só lhe fica bem, era grande a expectativa do universo católico português em relação ao desfecho deste processo legislativo, esperando-se o veto presidencial. Mas assim não aconteceu. É verdade que, fosse qual fosse a decisão do Senhor Presidente, iria ter sempre um coro de críticas ou da esquerda ou da direita. Inevitavelmente alguém iria ficar defraudado.

O Senhor presidente tem razão quando afirma que a solução encontrada poderia ter sido outra. Exemplos não faltam em alguns países europeus. Chamar casamento a uma ‘união’ entre pessoas do mesmo sexo é provocatório e subversivo. O casamento é uma instituição milenar que está intrinsecamente ligada à união entre um homem e uma mulher, que se dispõem a servir a vida e a constituir família. Se era uma questão de adquirir direitos (a tal igualdade que alguns reclamam), não se entende porque não foram concedidos, chamando-lhe outro nome. Faltou, de facto, sensatez e inteligência, nomeadamente a alguma esquerda, para ser assegurado o respeito por uma das instituições mais importantes da sociedade, decisiva para a sua coesão e para o seu equilíbrio. O casamento entre um homem e uma mulher não é a mesma coisa que unir dois homens ou duas mulheres. Cada união, porque são diferentes e têm objectivos diferentes, deveria ter o seu nome próprio e a sua configuração própria.

Quanto aos argumentos que o Senhor Presidente invocou para promulgar a lei, dificilmente podem ser consensuais. Um bom número de comentadores políticos e de defraudados acusou logo o Senhor Presidente de já estar a pensar nas próximas eleições presidenciais, não querendo afrontar alguma esquerda que lhe vai dar uma mãozinha para ganhar as eleições, sabendo que a direita está esmagadoramente do seu lado. É notório algum tacticismo e eleitoralismo na decisão do Senhor Presidente. Todos os políticos têm esta tentação, embora o Senhor Presidente seja dos políticos a quem menos se pode apontar este defeito, desde sempre regendo a sua actividade política pela ‘defesa dos superiores interesses da nação’ e zeloso cumprimento dos direitos e deveres que lhe estão reservados como o mais alto magistrado da nação, independentemente dos interesses imediatos, sendo até acusado por muitos como demasiado cerebral e frio. Mas para mim, não é isso que é mais questionável. Os argumentos apresentados pelo Senhor Presidente não têm consistência. Em primeiro lugar, invoca a irrelevância do seu veto presidencial. Assim sendo, quando houver maiorias no Parlamento, retire-se o poder de veto ao Senhor Presidente da República. Os vetos do Presidente da República não são irrelevantes ou relevantes, são vetos. Ser Presidente da República é ser defensor de todo um património político, social, cultural e religioso de uma nação, contribuindo assim para a sua unidade e coesão. E quem o elegeu, identificou-se com os seus princípios e ideias, esperando que elas orientem todo o seu mandato. Um Presidente da República é sobretudo uma referência cultural e moral de uma nação ou então fica reduzido a um simples administrativo que assina e despacha documentos, com pouca relevância política. Por outro lado, invocar a crise para a promulgação da lei, pretendendo-se assim não agudizar a crise, também não satisfaz. Para além de dar a ideia de que em tempo de crise as convicções pouco importam, a crise não pode ser pretexto para tudo e é nas horas de medo e confusão que fazem falta as convicções e as certezas. Cada vez é mais evidente que a crise económica e financeira que estamos a atravessar deve-se, sobretudo, a uma crise de valores e de civilização. Discutir e redescobrir os valores fundamentais das pessoas e da sociedade nunca é perder tempo, mas é ajudar a sociedade a descobrir os caminhos que lhe podem dar saúde, consistência e realização. Não seria mais uma discussão desnecessária, já que pelos vistos não falta tempo à Assembleia da República para temas bem menos interessantes e com fins muito duvidosos.

Acredito que ser Presidente da República não será fácil (quem sou eu para o dizer) e decidir num mar de complexidade muito menos. Mas a fazê-lo, que seja com coerência e na fidelidade à nossa consciência e às nossas convicções. E usar a palavra responsabilidade exige algum cuidado, porque facilmente a confundimos com conveniência.

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